É com pesar que recebo a notícia do falecimento de Abdias do Nascimento um de meus mestres em terras brasileiras. Um homem que aos quase cem anos, nunca arrefeceu da luta contra a discriminação racial e o preconceito. Por muitas vezes tive o privilégio de frequentar sua residência no bairro da Glória, no Rio de Janeiro. Ficava ali bem quietinho, ouvindo deslumbrado as narrativas de suas andanças e embates políticos pelo mundo. Enquanto sua companheira Elisa Larkin nos mostrava com provas cabais que os africanos estiveram nas Américas antes de Colombo, Américo Vespúcio e Cabral. Abdias nasceu em Franca em 14 de março de 1914, para se consagrar como um dos maiores expoentes da cultura negra das Américas. Professor Benemérito da Universidade do Estado de Nova York e doutor "Honoris Causa" pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ator, escritor, artista plástico. Trabalhou incansavelmente pela igualdade racial e pelo Pan Africanismo. Foi fundador da Frente Negra Brasileira em 1931 que chegou a ter em seus quadros mais de 100 mil associados. Organizou o I Congresso Afro-Campineiro e o I Congresso do Negro Brasileiro, no Rio de Janeiro. É autor de vários livros: "Sortilégio", "Dramas Para Negros e Prólogo Para Brancos", "O Negro Revoltado", entre outros.
Criou o Teatro Experimental do Negro-TEN em 1944 que tinha como objetivo a valorização do negro no teatro e a criação de uma nova dramaturgia. O Teatro Experimental do Negro atuava por meio da conscientização e também da alfabetização do elenco, recrutado entre operários, empregadas domésticas, favelados sem profissão definida e modestos funcionários públicos. O espetáculo Imperador Jones, dirigido por Abdias do Nascimento, estréia em maio de 1945 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e obtém grande receptividade.
Após o golpe militar de 64 exilou-se nos Estados Unidos, onde trabalhou como professor universitário. Co-fundador do Movimento Negro Unificado em 1978, em maio de 1980, foi juntamente com Leonel Brizola – de quem se tornara amigo no exílio – um dos fundadores do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Escolhido vice-presidente do partido em 1981, nesse mesmo ano fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Em 1982, retornou definitivamente ao Brasil. Em novembro de 1982 concorreu à Câmara dos Deputados pelo Rio de Janeiro, obtendo a terceira suplência da legenda. Com a eleição de Brizola para o governo do Rio naquele mesmo pleito e a nomeação do deputado José Maurício para a Secretaria de Minas e Energia, Abdias assumiu em março de 1983 uma cadeira na Câmara. Em 25 de abril de 1984, votou favoravelmente à emenda Dante de Oliveira, que previa o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República em novembro seguinte. Abdias retornou à Câmara no dia 16 de janeiro, logo após a realização do Colégio Eleitoral. No ano seguinte, voltou à suplência. Sua atuação como deputado foi centrada na defesa dos direitos humanos e civis dos negros no Brasil. Enfocando o racismo e a discriminação racial como questões nacionais, propôs o estabelecimento de feriado nacional no dia 20 de novembro, aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, apresentou projeto de lei que previa a criação de uma cota de 20% de vagas para mulheres negras e de 20% para homens negros na seleção de candidatos ao serviço público.
As iniciativas de Abdias tiveram desdobramento durante as discussões da Assembléia Nacional Constituinte. Com a nova Carta, promulgada em outubro de 1988, o direito brasileiro passou a contemplar a natureza pluricultural e multiétnica do país, a prática de racismo tornou-se um crime inafiançável e determinou-se pela primeira vez a demarcação das terras dos remanescentes de quilombos, antigas comunidades de escravos. Abdias foi um dos responsáveis pela instituição da Comissão do Centenário da Abolição em 1988 e por seu desdobramento na Fundação Cultural Palmares.
Em outubro de 1990 compôs como suplente de Darci Ribeiro a chapa lançada pelo PDT ao Senado. Em abril de 1991, foi escolhido por Leonel Brizola, que se reelegera governador do Rio de Janeiro em 1990, para ocupar a Secretaria Extraordinária para Defesa e Promoção das Populações Afro-Brasileiras. Em final de agosto, Abdias substituiu Darci Ribeiro que se tornara secretário de Projetos Especiais do governo fluminense no Senado. Após a morte de Darci em fevereiro de 1997, voltou ao Senado em caráter definitivo, exercendo o mandato até janeiro de 1999, ao final da legislatura 1995-1999. Participou do governo de Anthony Garotinho (1999-2002) como secretário de Direitos Humanos e da Cidadania.
Foi casado com Maria de Lurdes Vale Nascimento. Casou-se pela segunda vez com a atriz Léa Garcia, com quem teve dois filhos, e pela terceira vez com a antropóloga norte-americana Elizabeth Larkin Nascimento, com quem teve um filho.
Abdias Nascimento nos deixa um verdadeiro legado de honradez e combatividade em prol dos Direitos Humanos e cidadania. Abdias Nascimento e o geógrafo Milton Santos, certamente foram duas grandes injustiças que a Academia Brasileira de Letras perpetrou no Brasil. Não consigo entender o motivo de nunca tenham sido convidados a envergar aquele simbólico fardão, que significa erudição e serviços prestados ao país nos campos da literatura, humandades, arte e cultura. É sempre bom recordar que aquela casa foi fundada por um negro chamado Machado de Assis.
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