Amauri Queiroz

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Réia, Cronos, Zeus e Latona



Existe uma mulher com olhar iluminado
Seus olhos brilham como as estrelas
É a senhora dos mistérios
Deusa da alquimia

Por onde passa deixa um rastro de luz e beleza
Encantando-nos, pobres mortais
Como um prelúdio de Frédéric Chopin

Sua imensa ternura e poder
Deixa-nos extasiados
Sonhando com o paraíso
Que é adormecer em seus braços

Latona, mãe de Apolo
Mulher de Zeus
Réia mãe dos Deuses
Esperamos no colo de Cronos
Rodeado por elementares
Pela poção mágica do amor
(Amaury Queiroz)

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Bibi Aisha Sobreviveu ao Talibã
















Quando o rosto da jovem afegã Bibi Aisha (“bibi” significa algo como “senhora” em urdu), de 18 anos, estampou a capa da edição da revista americana Time, sua beleza ficou em segundo plano, ofuscada pela chocante ausência de seu nariz, extirpado a faca pelo seu marido. Na semana passada, Aisha apareceu em público pela primeira vez usando uma prótese e pudemos, finalmente, prestar atenção ao seu sorriso. Esther Hyneman, da ONG Mulheres pelas Mulheres Afegãs, que esteve com Aisha na Califórnia, na semana passada, diz que ela está feliz com o novo visual, embora ainda não tenha conseguido deixar para trás o trauma da violência que sofreu. “Vai levar tempo para que ela se recupere, mas somos muito otimistas porque ela é uma sobrevivente. Muitas pessoas teriam morrido naquela situação”, diz Esther. Nessa entrevista, Esther conta que comprou um mapa múndi para mostrar a Aisha onde fica seu país e onde ela está agora, os Estados Unidos, e avalia a situação das mulheres no Afeganistão, onde ela passa seis meses por ano fazendo trabalho humanitário.

Lendo as muitas reportagens escritas sobre a história de Bibi Aisha, notei que há várias informações desencontradas e inconsistentes. Sua idade, quem a socorreu depois de agredida pelo marido e até qual foi a participação do Talibã na agressão. A que se pode atribuir essas diferenças?


Esther Hyneman Não li todas as reportagens que saíram sobre ela, mas a maioria das entrevistas deve ter sido feita por meio de tradutor, o que facilita mal entendidos, e muitas devem reproduzir de maneira errônea o que foi publicado por outros veículos. Os fatos básicos sobre Aisha são muito simples: ela foi vítima de um costume tribal chamado “baad”, em que uma propriedade é dada pela família que cometeu uma ofensa ou um crime a outra família. A propriedade é uma forma de compensação pelo crime ou ofensa. Pode ser dinheiro, terras ou até mesmo, e muito frequentemente, jovens meninas. Aisha foi dada como compensação pelo assassinato que seu tio cometeu contra um membro da família.

Ela tinha 10 anos quando isso aconteceu?

Esther Hyneman - Não sabemos exatamente que idade ela tinha, mas era bem jovem. Ela foi maltratada – como essas garotas sempre o são – e escravizada. Depois de anos de abuso em que apanhava com frequência, ela fugiu. Não temos certeza, mas talvez um vizinho a tenha ajudado. Ela conseguiu chegar a Kandahar e foi presa pela polícia porque mulheres não podem andar sozinhas pela rua – é uma regra em todo o país, mas especialmente em áreas como Kandahar, controlada pelo Taleban. De alguma maneira, seu pai descobriu que ela estava presa em Kandahar e persuadiu o comandante a libertá-la. Então, ele a levou de volta à mesma família a que tinha sido dada, à família de seu marido. Ele deveria saber que estava levando sua filha para a tortura e a morte, uma vez que a família de seu marido era taleban.

Esther Hyneman - Li um artigo que questionava se o marido dela era taleban. Essa informação é confirmada?


Esther Hyneman - Sim, é confirmada. Por favor, publique-a. Estou na Califórnia, vim até aqui para ver Bibi e ontem ela ficou transtornada quando alguém mencionou o Taleban. Ela começou a gritar com toda força sobre o que eles haviam feito com ela. Não há nenhuma dúvida quanto a isso. O artigo da revista The Nation que questiona isso está mentindo. Aisha foi torturada por uma família taleban. Ela foi levada para uma área isolada, imobilizada por pessoas da própria família ou amigos ou vizinhos do marido, e seu marido ou o irmão dele, não sabemos ao certo, cortaram fora seu nariz e suas orelhas. Ela foi então abandonada para morrer sangrando.

Em uma entrevista, a senhora disse que a punição de Aisha provavelmente tem origem em um dizer pashtun (uma das tribos que povoam o Afeganistão) que diz que o homem cuja mulher foge perdeu o nariz.É possível que venha desse velho ditado popular?


Esther Hyneman - É uma punição que acontece em vários lugares do país. Não sei quão prevalente ela é, mas vimos outros casos. Não acredito que seja necessariamente restrita ao Afeganistão. Depois de ser punida, Bibi desmaiou. Ela estava sangrando muito, não conseguia nem enxergar direito. Achou até que fosse água, num primeiro momento. Ela conseguiu ir até sua vila e, pelo que entendi, seu tio não a deixou entrar. Então alguém, talvez seu pai, levou-a para a base militar americana, onde ela recebeu tratamento médico. Quando ela estava melhor, eles nos pediram para abrigá-la. E ela ficou conosco por nove meses até que nós arranjamos o tratamento médico e cirúrgico nos Estados Unidos com a Fundação Grossman para Queimados.

Como ela tem se recuperado desde que você a conheceu, no Afeganistão?

Esther Hyneman - Ela tem ido muito bem, mas qualquer pessoa que tenha passado pelo que ela passou, ser dada pela família, tratada como uma escrava, torturada, sofre de síndrome de estresse pós-traumático. Vai levar tempo para que ela se recupere, mas somos muito otimistas, porque ela é uma sobrevivente. Muitas pessoas teriam morrido naquela situação, não teriam sido capazes de chegar até o vilarejo. Ela conseguiu se manter viva. Ela nunca esteve na escola, não tem informações concretas sobre o mundo, mas é extremamente inteligente. Ela tem um tipo de inteligência inata. Ela é muito esperta, espirituosa e falante. Ela tem qualidades que vão ajudá-la a conseguir uma vida produtiva. Ela só precisa de tempo para se recuperar.

Quando deve acontecer a cirurgia para a reconstrução do nariz de Bibi?

Esther Hyneman - Não sabemos. Ela precisa de um período de repouso porque o tratamento vai ser um outro tipo de trauma que ela vai enfrentar. São várias cirurgias e a Fundação Grossman está avaliando se ela está psicologicamente pronta para elas. Não existe um calendário, mas ela está recebendo cuidados de quem a ama e está feliz, aproveitando sua estadia. Ela tem agora a prótese de nariz e está se sentindo ótima ao aparecer em público. Ela é uma jovem linda.

Como ela se sente ao saber que sua foto foi reproduzida no mundo todo?

Esther Hyneman - Foi um pouco demais para ela. Aisha é jovem mulher que nasceu em um vilarejo. Comprei para ela um mapa do mundo para mostrar onde ficava o Afeganistão, onde ficava Dubai, onde seu avião fez escala antes de parar em Nova York, onde era a Califórnia, onde ela estava. Nós pusemos o mapa no chão e exploramos isso porque ela não sabia essas coisas sobre as quais nem pensamos.

Li que a irmã de Aisha pode estar ainda com a família de seu marido no Afeganistão. Isso é verdade?

Esther Hyneman - Supomos que a irmã dela esteja lá e nos preocupamos com isso, mas não há como sabermos se ela está lá e como ela está porque é uma área controlada pelo Taleban e, por isso, muito perigosa. O rosto de Bibi na capa da Time é um alerta do que pode acontecer se o Taleban dominar o Afeganistão. E se isso acontecer, o país vai se tornar refúgio para grupos terroristas que podem repetir atos como o 11 de setembro. Se isso acontecer, os custos de vidas humanas e de dinheiro serão ainda maiores do que já foram até agora. Nossa mensagem para o mundo democrático é que ele está sob ameaça aqui.

Muitas pessoas afirmam que muito pouco mudou no Afeganistão com a chegada dos americanos porque líderes fundamentalistas islâmicos que concordam com os talebans em vários aspectos continuam no governo. Qual a sua opinião sobre isso?

Esther Hyneman - Houve progressos nesses últimos anos. Pode não ser o suficiente, mas é incrível num país que ficou em guerra por 30 anos e estava sob o domínio de um regime tabelan brutal. Agora a maioria das pessoas do país quer um governo transparente, quer educação para suas crianças. As mudanças são óbvias. Nós somos uma organização sem fins lucrativos no Afeganistão e temos cinco centros para a educação das famílias e cinco abrigos. Isso é progresso. Nós ganhamos casos em favor das mulheres na Justiça. Há uma nova lei para a eliminação da violência contra a mulher assinada este ano pelo presidente Hamid Karzai que nos ajuda a defender as mulheres na Corte. Isso é progresso. Temos mais de 150 funcionários, todos eles afegãos, e eles arriscam suas vidas e as de suas famílias porque estão comprometidos com a causa de um governo progressista, leis progressistas. Pesquisas mostram que os afegãos querem uma vida melhor, querem que mais escolas sejam construídas. Se nós continuarmos no Afeganistão, o país pode se tornar um modelo do que é possível ser feito. Nós não somos invasores, os talebans são os invasores.

Agora Aisha está nos Estados Unidos. Há planos de que ela volte para o Afeganistão?

Esther Hyneman - Estamos vivendo um dia de cada vez. Não temos nenhuma ideia de como será a vida de Aisha. Temos que esperar para ver.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Racismo, Xenofobia e Diretos Humanos



“Vocês riem de mim porque eu sou diferente eu rio de vocês porque são todos iguais.”

Bob Marley



Acontece todos os anos, no dia 27 de Janeiro, o “Dia Internacional de Comemoração das Vítimas do Holocausto”, ou “O Dia da Memória”. Foi instituído pelas Nações Unidas, para que a xenofobia, a perseguição à estrangeiros e a intolerância racial não propiciem nunca mais horrores como o do Holocausto.
O Papa bento XVI nesse dia, declarou que “o ódio racial e religioso e a xenofobia, geraram deportações, prisão e morte nesses lugares aberrantes”. Continua o Sumo Pontífice: “Esses fatos, em particular o drama do Holocausto, que atingiu o povo judeu, incitam a um respeito cada vez mais decidido pela dignidade de toda a pessoa, para que os homens se percebam como uma única grande família”. Mais de 1 milhão de homens, mulheres e crianças, entre os quais um milhão de judeus em toda a Europa, morreram no campo de Auschwitz, instalado em 1940 na Polônia ocupada e libertado em 27 de Janeiro de 1945 pelo exército soviético.
Após 65 anos, as feridas ainda não sararam. O anti-semitismo não desapareceu, e por isso se cultiva a memória pública do Holocausto. O início dessa estória de horror, tem como protagonista Adolf Hitler, que era extremamente nacionalista e via nos estrangeiros um fator de corrupção do povo e da vida alemã. A partir dessa idéias surgiu o nazismo, um regime totalitário, que se baseava na mística do heroísmo do povo alemão, desprezando-se então todos os povos que viviam na Alemanha ou no seu entorno.
Ainda hoje existem movimentos nazistas em todo o mundo. Precisamos vigiá-los e não dar tréguas para que se instalem novamente. É comum na Alemanha a perseguição aos estrangeiros, culminando até mesmo em assassinatos, por grupos de pessoas que não admitem a idéia de conviverem com o diferente.
Minas Gerais é um estado pródigo de grandes seres humanos, que contribuíram de maneira inequívoca para o engrandecimento da humanidade. Se a espécie humana pisou na lua em 1969 e pisará em Marte em 2050, agradeçam a um mineiro que nasceu bem aqui pertinho, no Sítio Cabangu, hoje Município de Santos Dumont. Alberto Santos Dumont recebeu a Ordem de Cavaleiro da Legião de Honra da França, país que o recebeu e o apoiou para que pudesse inventar o avião. Dividiu o prêmio, que ganhou pela façanha de voar com um dirigível mais pesado que o ar, com os pobres de Paris. Podemos também falar em um negro nascido em Três Corações que encantou o mundo com sua habilidade no campo esportivo. Pelé, o “Rei do Futebol”, o “Atleta do Século”, incensado por reis, rainhas e personalidades de todo o mundo, deixou a vida tricordiana e foi recebido em Bauru e logo após Santos, que o recebeu de braços abertos e lhe propiciou o afeto e a acolhida necessários para que ele atingisse o estrelato.
Ary Barroso, cidadão de Ubá, é um dos poucos brasileiros (talvez o único) que foi membro da Academia de Ciências e Arte de Hollywood. Mineiro versátil trabalhou inclusive com Walt Disney, que o indicou para a academia. Ary Barroso também compôs a Aquarela do Brasil, canção que junto com Garota de Ipanema são as mais executadas fora do Brasil em todos os tempos. Ary foi para o Rio de Janeiro aos 17 anos, onde desenvolveu seu talento e hoje está eternizado no bairro do Leme, início da praia de Copacabana, com um busto de bronze e uma rua com seu nome, o que muito orgulha os moradores do lugar.
Poderíamos escrever uma enciclopédia com tantos mineiros ilustres que deixaram Minas e foram recebidos em outras cidades: Juscelino, Telê Santana, Vital Brasil, Carlos Chagas, Darcy Ribeiro, o cantor Vando e também Jorge Castanheira, um Congonhense que preside a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro e coordena com muita competência aquele que é chamado “o maior espetáculo da terra”. Todas essas pessoas deixaram uma grande contribuição para a humanidade. É muito importante nos mirarmos nos bons exemplos e pautarmos nossa vida pela acolhida de todos os irmãos, pois, Jesus Cristo sempre pregou a igualdade entre todas as pessoas, através do carinho, da hospitalidade, da amizade e do amor.
Hitler era artista, pintava quadro e quando jovem, chegou a sobreviver de sua arte. Sua contribuição, porém para a história, foram os seis milhões de judeus assassinados por seu exército, tudo em nome da xenofobia e da intolerância ao próximo.
Precisamos evitar esse tipo de comportamento, pois, nossa casa é o mundo e o mundo é nossa casa.

As Mulheres e o Poder






Celina Guimarães foi a primeira eleitora no Brasil e na América latina. Votou em 5 de Abril de 1828 em Mossoró no Rio Grande do Norte, que foi o primeiro estado brasileiro a abolir a distinção de sexo para o voto. Os votos femininos foram anulados pela Comissão de Poderes do Senado. Somente em 1932 o Código Eleitoral permitiu o voto feminino no Brasil.

Luíza Alzira Soriano foi a primeira mulher a se eleger prefeita no Brasil e na América Latina, no ano de 1928, no município de Lajes, no (novamente) Rio Grande do Norte terra de pioneira do feminismo no Brasil e foi provavelmente a primeira mulher a romper os limites entre os espaços público e privado publicando textos em jornais, na época em que a imprensa nacional ainda engatinhava. Nísia também dirigiu um colégio para moças no Rio de Janeiro e escreveu livros em defesa dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos.

As primeiras mulheres eleitas deputadas estaduais foram Maria do Céu do RN (novamente), Antonieta de Barros (SC), Lili Lages (AL), Maria Luiza Bittencourt (BA), Maria Tereza Azevedo e Maria Tereza de Barros por SP, todas eleitas em 1934.

Carlota de Queiroz foi a primeira deputada federal eleita no Brasil. Eleita em 1934, legislou até 1937, quando foi cassada por Getúlio Vargas.

Eunice Michiles do Estado do Amazonas foi a primeira senadora a exercer o cargo no parlamento brasileiro, em 1979.

A primeira mulher a governar um estado brasileiro foi Iolanda Lima Fleming, que governou o Acre de de 15 de maio de 1986 a 15 de maio de 1987. A segunda mulher governadora foi Roseane Sarney e a terceira Benedita da Silva, também a primeira senadora negra eleita no país.
A primeira ministra foi Maria Ester Ferraz que foi Ministra da Educação do presidente general João Batista Figueiredo.
Em 2010 Dilma Roussef foi a primeira mulher eleita para presidente do Brasil.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010


A Derrota das Elites



Leonardo Boff


Para mim o significado maior desta eleição é consolidar a ruptura que Lula e o PT instauraram na história da política brasileira. Derrotaram as elites econômico-financeiras e seu braço ideológico a grande imprensa comercial. Notoriamente, elas sempre mantiveram o povo à margem da cidadania, feito, na dura linguagem de nosso maior historiador mulato, Capistrano de Abreu,”capado e recapado, sangrado e ressangrado”. Elas estiveram montadas no poder por quase 500 anos. Organizaram o Estado de tal forma que seus privilégios ficassem sempre salvaguradados. Por isso, segundo dados do Banco Mundial, são aquelas que, proporcionalmente, mais acumulam no mundo e se contam, política esocialmente, entre as mais atrasadas e insensíveis. São vinte mil famílias que, mais ou menos, controlam 46% de toda a riqueza nacional,sendo que 1% delas possui 44% de todas as terras. Não admira que estejamos entre os paises mais desiguais do mundo, o que equivale dizer, um dos mais injustos e perversos do planeta. Até a vitória de um filho da pobreza, Lula, a casa grande e a senzala constituíam os gonzos que sustentavam o mundo social das elites. A casa grande não permitia que a senzala descobrisse que a riqueza das elites fôra construida com seu trabalho superexplorado, com seu sangue e suas vidas, feitas carvão no processo produtivo. Com alianças espertas, embaralhavam diferentemente as cartas para manter sempre o mesmo jogo e, gozadores, repetiam:”façamos nós a revolução antes que o povo a faça”. E a revolução consistia em mudar um pouco para ficar tudo como antes. Destarte, abortavam a emergência de um outro sujeito histórico de poder, capaz de ocupar a cena e inaugurar um tempo moderno e menos excludente. Entretanto, contra sua vontade, irromperam redes de movimentos sociais de resistência e de autonomia. Esse poder social se canalizou em poder político até conquistar o poder de Estado. Escândalo dos escândalos para as mentes súcubas e alinhadas aos poderes mundiais: um operário, sobrevivente da grande tribulação, representante da cultura popular, um não educado academicamente na escola dos faraós, chegar ao poder central e devolver ao povo o sentimento de dignidade, de força histórica e de ser sujeito de uma democracia republicana, onde “a coisa pública”, o social, a vida lascada do povo ganhasse centralidade. Na linha de Gandhi, Lula anunciou: “não vim para administrar, vim para cuidar; empresa eu administro, um povo vivo e sofrido eu cuido”. Linguagem inaudita e instauradora de um novo tempo na política brasileira. O “Fome Zero”,depois o “Bolsa Família”, o “Crédito Consignado”, o “Luz Para Todos”, o “Minha Casa, Minha Vida, a “Agricultura Familiar, o “Prouni”, as “escolas profissionais”, entre outras iniciativas sociais permitiram que a sociedade dos lascados conhecesse o que nunca as elitese conômico-financeiras lhes permitiram: um salto de qualidade. Milhões passaram da miséria sofrida à pobreza digna e laboriosa e da pobreza para a classe média. Toda sociedade se mobilizou para melhor. Mas essa derrota inflingida às elites excludentes e anti-povo, deve ser consolidada nesta eleição por uma vitória convincente para que se configure um “não retorno definitivo” e elas percam a vergonha de se sentirem povo brasileiro assim como é e não como gostariam que fosse.Terminou o longo amanhecer.Houve três olhares sobre o Brasil. Primeiro, foi visto a partir da praia: os índios assistindo a invasão de suas terras. Segundo, foi visto a partir das caravelas: os portugueses “descobrindo/encobrindo”o Brasil. O terceiro, o Brasil ousou ver-se a si mesmo e aí começou a invenção de uma república mestiça étnica e culturalmente que hoje somos. O Brasil enfrentou ainda quatro duras invasões: a colonização que dizimou os indígenas e introduziu a escravidão; a vinda dos povos novos, os emigrantes europeus que substituirem índios e escravos; a industrialização conservadora de substituição dos anos 30 do século passado mas que criou um vigoroso mercado interno e, por fim, a globalização econômico-financeira, inserindo-nos como sócios menores. Face a esta história tortuosa, o Brasil se mostrou resiliente, quer dizer, enfrentou estas visões e intromissões, conseguindo dar a volta por cima e aprender de suas desgraças. Agora está colhendo os frutos. Urge derrotar aquelas forças reacionárias que se escondem atrás do candidato da oposição. Não julgo a pessoa, coisa de Deus, mas o que representa como ator social. Ceslo Furtado, nosso melhor pensador em economia, morreu deixando uma advertência, título de seu livro "A Construção Interrompida" (1993): ”Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta no devir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromer o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação”(p.35). Estas não podem prevalecer. Temos condições de completar a construção do Brasil, derrotando-as com Lula e as forças que realizarão o sonho de Celso Furtado e o nosso.

Leonardo Boff é Teólogo e autor de Depois de 500 anos: que Brasil queremos?

O Aborto e as Eleições


Em Busca de um Direito Justo

O aborto envolve um dilema: uma escolha impossível e uma decisão necessária. Como transformar esta questão num "direito justo" para o povo brasileiro? Embora o reaparecer desta questão fundamental se dê sob forma travestida de interesses eleitoreiros, não desejamos deixar passar a oportunidade de elevá-la ao que ela tem de real e de urgente, e que, portanto, insiste como questão a ser pensada, elaborada na sua complexidade, e talvez só então decidida. Como bem o disse Elio Gaspari, em seu artigo de 9 de outubro no GLOBO, a prática do aborto não envolve apenas uma questão de saúde pública, mas fundamentalmente o conflito entre o direito à vida e o direito da mulher à liberdade de interromper sua gravidez em até doze semanas. Só aqui já estão nomeados dois titãs da experiência humana: o direito à vida e o direito à liberdade. Entretanto, o debate público trazido pela mídia em torno dos candidatos está tentando acorrentá-los com os grilhões maniqueístas e excludentes da apropriação moral, religiosa ou tecnocrata em termos de saúde. Ora, isso significa despir a questão do aborto de sua tragicidade, que sempre é vivida, independentemente de sua intensidade, no conflito íntimo de cada mulher ao se ver diante dessa situação-limite, dessa escolha impossível, mas que, paradoxalmente, lhe exige uma decisão rápida. Ou seja, não minimizemos a coisa, nem banalizemos algo que tem a mesma natureza do antagonismo entre Eros e Tanatos, nossas pulsões de Vida e Morte, o que levou Freud a comentar com certa ironia em "O mal-estar da civilização": "É este duelo de titãs que nossas babás tentam aplacar com suas cantigas de ninar." Ou seja, somos efetivamente incapazes de fazer face ao duelo que agita e dilacera nossa alma desde a mais tenra idade. A experiência humana é trágica, pois é vivida, segundo o criador da psicanálise, em termos deste antagonismo que cria um estado de conflito permanente, com pouca ou nenhuma chance de apaziguamento, e que se encontra exacerbado em certas situações, como achamos ser o caso em questão. O conflito existe, embora muitas vezes disfarçado sob uma capa pragmática, ou programática. E é cruel, principalmente se lembrarmos que, em sua base, trata-se de uma decisão que cada mulher é obrigada a tomar sozinha, aumentando o nível de desamparo e angústia a que se vê submetida ao ter que decidir o indecidível, além de lhe caber lidar, também solitariamente, com o peso e a dor dos fantasmas correlativos a este ato, que terão efeitos muitas vezes sobre os filhos que virão a seguir, tornando-os muitas vezes substitutos inconscientes daqueles que foram impedidos de nascer. A questão do aborto é uma questão política, se nos referirmos ao sentido maior deste termo: o de dar valor à polis, à vida em comum dos cidadãos, à vida do outro, sendo este outro, no caso, tanto aquele que é gerado em situações de imaturidade e precariedade afetiva ou financeira, quanto os que o geraram, levando em conta suas expectativas, suas condições, sua liberdade de decidir. Evidentemente, isto suscita uma articulação necessária com a responsabilidade que se aprende a ter através de uma educação humanizante onde a sexualidade humana poderá ser tratada como meio de vida e não de morte. Esta questão política levantada pela possibilidade de uma prática discriminalizada do aborto em nosso país solicita a elaboração de leis que tenham como ideal um "direito justo", capaz de levar em consideração a convivência sempre problemática entre os seres humanos, e que é exacerbada pelas não menos problemáticas relações entre o Direito e a Justiça. Pois o Direito não é a Justiça, sendo apenas um instrumento, uma tentativa, muitas vezes vã, de se fazer justiça. Em lugar de nos paralisar, este saber diferencial nos impele a participar da dimensão criativa da justiça em nosso país, no exercício de um direito em transformação, num país em transformação, implicando inclusive a retomada transformadora dos currículos de educação.
Texto da psicanalista Glaucia Dunley

Comer, Rezar, Amar


“De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama”

(Vinícius de Morais)

No filme Comer, Rezar, Amar a protagonista, uma escritora de razoável sucesso decide jogar sua vida, incluindo-se aí um casamento sólido e estável, para atirar-se pelo mundo em busca de ‘outro caminho’. Resolve ir para a Itália e apreciar durante um bom período a culinária e a cultura italiana. Depois parte para a Índia em busca de iluminação espiritual e fecha o périplo na Indonésia, especificamente Bali, onde se entrega a arte do ‘dolce far niente’ e aos prazeres do amor.
O ponto principal da estória é o que certamente deve atormentar boa parcela das mulheres envolvidas em seus relacionamentos amorosos: viver sem amar e ser amada o suficiente, não querer separar para não magoar o parceiro e a família, sair da zona de conforto do casamento e de um círculo social consolidado, mergulhar no mundo incerto e assustador das mulheres separadas e sozinhas. Há uma cena emocionante em que a protagonista do filme cai em prantos no chão do banheiro, lamentando pela tristeza que imporá ao homem que a ama, mas que não a faz feliz o necessário.
O filme, ou a estória de Liz Gilbert é um libelo ao desapego e à coragem de revolvermos nossas vidas. Liz demole as coisinhas miúdas que tecem as tramas do casamento como um trator de esteira. O marido incrédulo, como um pugilista grogue no centro do ringue, sem compreender que ela não o ama mais, continua acreditando que está tudo bem e que ela apenas teve um dia péssimo. Liz não podia dar explicações até porque não as possuía. Sentia-se como Ícaro voando com suas asas de cera rumo ao sol. Em seu caso, o sol era o casamento em chamas, que cotidianamente derretia seu amor (suas asas de cera), atirando-a de maneira inexorável ao duro solo da realidade.
Liz cai no mundo tentando se encontrar. Sua saga lembra a música do inesquecível Candeia e regravada por Marisa Monte que diz: ”Deixe-me ir preciso andar. Vou por aí a procurar. Rir prá não chorar... Se alguém por mim perguntar, Diga que eu só vou voltar, Quando eu me encontrar...”

Vai para a Itália, terra de grandes romances mas resolve mergulhar na gastronomia. Come o tanto que pode de todas as delícias possíveis. Parte para a Índia onde se isola em busca da divindade, se afastando dos pecados e das tentações e terrenas, buscando a luz que precisa para iluminar seu caminho. Dali parte para a paradisíaca ilha de Bali na Indonésia, onde busca um feiticeiro que lhe tinha prometido revelar seus mais recônditos segredos. Liz achava que com as diversas experiências espirituais e afetivas, recém construídas, teria um alicerce seguro para seguir em frente na vida, por si só, sem as mazelas da vida à dois. Mas qual o quê! Encontra um homem que a retira da casamata existencial, das trincheiras da auto-defesa, trazendo-a de volta para as sensações espirituais e carnais, coincidência ou não, um brasileiro.

O livro é tratado por alguns como um manual barato de auto-ajuda e idolatrado por outros por demonstrar a coragem que Liz teve para mudar radicalmente sua vida, tentando encontrar um centro honesto para seus sentimentos e desejos. Certamente não possui a profundidade de um Jorge Luis Borges nem a argúcia de um Garcia Marquez, mas nos leva a refletir sobre nossa breve passagem aqui no planeta e nos aproximar, nem que só por meros instantes, de realizar aqueles nossos desejos secretos e sempre adiados por nossa comodidade.

Mulher na Presidência?


Há duas formas principais de estarmos presentes no mundo: pelo trabalho e pelo cuidado.
Como somos seres sem nenhum órgão especializado, à diferença dos animais, temos que trabalhar para sobreviver. Vale dizer, precisamos tirar da natureza tudo o que precisamos. Nessa diligência usamos a razão prática, a criatividade e a tecnologia. Aqui precisamos ser objetivos e efetivos, caso contrário sucumbimos às necessidades.
Na história humana, pelo menos no Ocidente, instaurou-se a ditadura do trabalho. Este mais do que obra foi transformado num meio de produção, vendido na forma de salário, implicando concorrência e devastação atroz da natureza e perversa injustiça social. Representantes principais, mas não exclusivos, do modo de ser do trabalho são os homens. A segunda forma é o cuidado. Ele tem como centralidade a vida e as relações interpessoais e sociais.
Todos somos filhos e filhas do cuidado, porque se nossas mães não tivessem tido infinito cuidado quando nascemos, algumas horas depois teríamos morrido e não estaríamos aqui para escrever sobre estas coisas.
O cuidado tem a ver mais com sujeitos que interagem entre si do que com objetos a serem gestionados. O cuidado é um gesto amoroso para com a realidade.
O cuidado não se opõe ao trabalho. Dá-lhe uma característica própria que é ser feito de tal forma que respeita as coisas e permite que se refaçam.
Cuidar significa estar junto das coisas protegendo-as e não sobre elas, dominando-as. Elas nunca são meros meios. Representam valores e símbolos que nos evocam sentimentos de beleza, complexidade e força.
Obviamente ocorrem resistências e perplexidades. Mas elas são superadas pela paciência perseverante. A mulher no lugar da agressividade, tende a colocar a convivência amorosa. Em vez da dominação, a companhia afetuosa. A cooperação substitui a concorrência. Portadoras privilegiadas, mas não exclusivas, do cuidado são as mulheres.
Desde a mais remota antiguidade, assistimos a um drama de consequêncas funestas: a ruptura entre o trabalho e o cuidado. Desde o neolítico se impôs o trabalho como busca frenética de eficácia e de riqueza.
Esse modo de ser submete a mulher, mata o cuidado, liquida a ternura e tensiona as relações humanas. É o império do androcentrismo, do predomínio do homem sobre a natureza e a mulher.
Chegamos agora a um impasse fundamental: ou impomos limites à voracidade produtivista e resgatamos o cuidado ou a Terra não aguentará mais.
Sentimos a urgência de feminilizar as relações, quer dizer, reintruzir em todos os âmbitos o cuidado especialmente com referência às pessoas mais massacradas (dois terços da humanidade), à natureza devastada e ao mundo da política.
A porta de entrada ao universo do cuidado é a razão cordial e sensível que nos permite sentir as feridas da natureza e das pessoas, deixar-se envolver e se mobilizar para a humanização das relações entre todos, sem descurar da colaboração fundamental da razão intrumental-analítica que nos permite sermos eficazes. É aqui que vejo a importância de podermos ter providencialmente à frente do governo do Brasil uma mulher como Dilma Rousseff. Ela poderá unir as duas dimensões do trabalho que busca racionalidade e eficácia (a dimensão masculina) e do cuidado que acolhe o mais pobre e sofrido e projeta políticas de inclusão e de recuperação da dignidade (dimensão feminina).
Ela possui o caráter de uma grande e eficiente gestora (seu lado de trabalho/masculino) e ao mesmo tempo a capacidade de levar avante com enternecimento e compaixão o projeto de Lula de cuidar dos pobres e dos oprimidos(seu lado de cuidado/feminino). Ela pode realizar o ideal de Gandhi: “política é um gesto amoroso para com o povo”.
Neste momento dramático da história do Brasil e do mundo é importante que uma mulher exerça o poder como cuidado e serviço.
Ela, Dilma, imbuida desta consciência, poderá impor limites ao trabalho devastador e poderá fazer com que o desenvolvimento ansiado se faça com a natureza e não contra ela, com sentido de justiça social, de solidariedade a partir de baixo e de uma fraternidade aberta que inclui todos os povos e a inteira a comunidade de vida.

Leonardo Boff

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A CNBB E AS ELEIÇÕES




"Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista."
(Dom Hélder Câmara Fundador da CNBB)

A CNBB que tenho visto envolvida na partidarização das eleições no Brasil não é a CNBB que conheço e que por certo período de tempo me abrigou generosamente como coordenador de um projeto de inclusão produtiva na Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro. Trabalhando nesta instituição, aprendemos como é grande o amor de Cristo por nós e quanto foi emblemática Sua santa decisão de entregar a própria vida para nos salvar.
Aprendi na CNBB que a única opção de todos os cristãos e os não cristãos de boa vontade é a opção pelos mais vulneráveis, pelos mais pobres, pelos mais necessitados. É ali que está o manto de Jesus Cristo, é ali que sentimos o chamamento de Sua palavra, é ali que conseguimos compreender a comunhão a consagração e a ressurreição.
A CNBB que conheço e aprendi a amar e respeitar é aquela que com a Cáritas, com as pastorais sociais, com as comunidades eclesiais de base, com os textos e encontros religiosos, sempre buscou levar conforto e soluções humanas para os mais desvalidos da sociedade, para aqueles que têm como cotidiano o infortúnio, a fome, a falta de abrigo e o desamor dos insensíveis.
A CNBB a qual orgulhosamente servi e que admiro e aplaudo é composta por uma legião incontável de amorosos e vigorosos servos de Cristo, que nunca repousam em suas infatigáveis missões religiosas e sociais, sempre voltadas para a elevação e para a promoção humana.
A CNBB da qual todos nós brasileiros nos orgulhamos é aquela que combateu duramente a ditadura militar brasileira, que como em apostolado contribuiu para a criação de diversos movimentos sociais, apoiando incondicionalmente a Economia Solidária, o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, o movimento dos pescadores artesanais, os Sem Teto, o Povo da Rua, as Mulheres Marginalizadas. A minha CNBB é a que leva uma palavra de alívio às pessoas encarceradas, protege e cuida de meninas e meninos de rua, entre tantas outras ações com uma nobreza sem par.
É com essa CNBB que vou dormir todas as noites e é com ela que desperto todos as manhãs, procurando de alguma maneira servir aos mais necessitados, empregando o conhecimento que adquiri para os que mais precisam. A população brasileira não deve se confundir com pessoas que tentam utilizar o nome de tão nobre instituição para fins pouco confessáveis.
Sou admirador da CNBB que D. Helder Câmara criou, cunhando o que hoje se classifica como inclusão social. Sou admirador de Frei Tito, D. Luciano Mendes de Almeida, Frei Betto, Leonardo Boff, Padre Josimo, Irmã Dorothy, Padre Ricardo Resende, Dom Thomaz Balduíno, Dom Mauro Morelli, Dom Pedro Casaldáliga e D. Paulo Evaristo Arns entre outras almas santas, que dedicam e dedicaram suas vidas à promoção dos pobres e dos excluídos, assim como fez Jesus Cristo.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010



Amor Eterno – O Novo Otelo do Século 21

Fernanda me escreve para pedir aconselhamentos sobre sua situação. Diz que está sofrendo bastante e que pensa em terminar seu casamento que já dura uma década. Motivo ela tem mais que de sobra, o ciúme doentio do marido.
Fernanda me pede conselhos que talvez eu não saiba nem tenha conhecimentos científicos para explicá-los. Mas alguma coisa sobre o ciúme podemos conversar informalmente.
O ciúme é tema de enorme bibliografia e de debates em todos os meios de comunicação. Mas é na academia, nos centros de ensino e pesquisa que conseguimos encontrar alguma teoria plausível sobre o assunto. Se é que teoria surte algum efeito nesses casos.
O início do casamento foi um paraíso. Fernanda nunca havia imaginado que existisse felicidade tamanha. Amor, sexo e dedicação eram componentes constante entre ambos, que mergulhavam de olhos fechados, um na alma do outro, como se nunca fossem retornar à superfície.
Sergio sempre foi um excelente companheiro. Atendia a todos os desejos de Fernanda, mesmo os mais pueris. Trabaljava em uma excelente empresa e gozava de ótima reputação profissional. Porém, não possuía ambição alguma, não entendia que o futuro se constrói a partir do hoje, com a experi~encia adquirida no passado.
O tempo foi passando e Sergio foi sendo tragado pelo redemoinho inexorável da vida. Defasado profissionalmente, desatualizado socialmente, transformou-se num espectro perto do que era quando Fernanda o conheceu. Seu sobrepeso e sua barriga proeminente delatavam a falta de preocupação com seu corpo e deletavam pouco à pouco o desejo insaciável de sua mulher pelo corpo tão bonito que outrora possuira. O sexo foi rareando cada vez mais. Sua aparência desleixada e sua falta de compromisso com a vida minavam a relação com Fernanda, que às custas de dietas e caminhadas conseguia manter seu corpo e sua forma física.
O golpe de misericórdia foi dado quando Sergio foi comunicado sobre a dispensa da empresa. Seu trabalho de anos que agora seria ocupado por um jovem talentosos e ambicioso, composição infalível para se sobreviver no capitalismo.
Como não podia ficar sem trabalho, saiu em busca de um emprego que infelizmente nunca aparecveu. Quarentão, barrigudo e desanimado, usou sua indenização para comprar uma barraca de cachorro quente, tornando-se empreendedor por consequência.
Fernanda conta que sempre esteve a seu lado. Nunca o abandonou, mesmo nas noites de grande angústia, quando ela ardia de desejo e ele passava a madrugada acordado, reclamando da vida, de tudo e de todos, patético, disfuncional.
Meses após o terremoto da demissão e do fracasso do empreendimento de cachorro-quente, se iniciou em Sergio um profunda transformação. Tornou-se arredio e quase não procurava Fernanda. Vivia defronte ao aparelho de TV, assistia do desenho animado aos cultos evangélicos eletrônicos nos avançados horários noturnos.
Passou a perseguir Fernanda. No início de maneira mais discreta e com o passar do tempo de maneira mais ostensiva. Até que um dia a agrediu. Fernanda conta que não sabia qual a dor é mais doída, se a física ou a espiritual. Tantos anos de total dedicação e amor por aquele homem e após todo esse tempo recebe uma bofetada no rosto, para logo após ser chamada de prostituta e vulgar. Seu mundo caiu.
Somente a grandiosidade da mulher pode perdoar um gesto tão aviltante como esse. Continuou ao lado do marido, que não era mais o homem que sempre amou, enquanto que ao mesmo tempo, ele jamais teria ao seu lado aquela mulher que tanto se dedicou e renunciou.
Passou a estudar o tema e aprendeu que o cíume é principalmente provocado pela sensação antecipada ou delirante da perda física e espiritual do outro. Ou então com a idéia da perda da posse soberana. Quando torna-se patológico, as dúvidas ultrapassam uma linha imaginária que nos separa da fantasia, da verdade e da certeza. O ciumento patológico é levado à verificação de suas dúvidas delirantes, arguindo a outra parte sobre os lugares onde esteve, violando correspondências, ouvindo conversas pela extensão ou até mesmo grampendo o telefone de casa, revolve bolsas e bolsos, cheira a roupa do íntima da parceira e vice-e-versa, contrata detetives, espreita, desconfia, vive em um mundo de loucuras, onde nunca há alivio para os seus sentimentos doentios.
Fernanda sentiu que nunca mais teria paz em sua vida. Sergio havia se tornado um ciumento patológico. Ao não trabalhar e agora depender do salário de Fernanda, buscava evidências todos os dias de uma possível traição. Fernanda chegou ao absurdo de mentir e confessar que teve uma conversa mais picante com um amigo de trabalho para que pudesse dormir em paz. Passou uma noite de inferno. Sergio nunca estava satisfeito com as explicações. Passou a aparecer de surpresa na saída do trabalho de Fernanda. Esgueirando-se por trás das árvores, como uma serpente, ansiando encontrar sua mulher com outro.
Fernando sofre de Ciúme Patológico e Fernanda continua ao seu lado, agora fazendo terapia para recuperar sua auto-estima, perdida no trauma da demissão do emprego onde imaginou que só sairia aposentado. O casal ainda está juntando os cacos dos corações que despedaçaram nos paredões do destino, mas estão ali, unidos e firmes, buscando um amanhecer de esperança.
Fernanda encerra sua mensagem como um libelo de tolerância e de amor verdadeiro. Agora sabe que o amará eternamente, pois, só um amor eterno consegue sobreviver a uma realidade tão dura.




terça-feira, 5 de outubro de 2010

Amor, estranho amor....


"O amor e a agonia cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio, o cio vence o cansaço
E o coração de quem ama fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando,
que nem o meu nos seus braços" (Djavan)
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Brenda escreve sua mensagem com certo temor. Posso sentir a tensão nas entrelinhas. Parece que tornando pública sua situação, possa se sentir mais confortável. Mas não é nada fácil, carregar a pesada culpa que traz consigo.
Ela inicia sua narrativa dizendo que sempre foi uma pessoa tranqüila, com muita paz de espírito e que jamais teve qualquer tipo de relacionamento conturbado com as pessoas, homens ou mulheres. Casou com o homem que amava e teve dois filhos maravilhosos de 3 e 6 anos, que iluminam sua vida. O casamento acabou e o tempo lhe estampou pequenas marcas em sua vida. Muito bonita e até mesmo cobiçada pelos homens, sentia-se insegura ao ver sua juventude escapando lentamente sem que nada pudesse ser feito.
A vida de Brenda entrou em um ciclo de rotina, onde tudo é nada e nada é tudo. Aborrecia-se com pequenas coisinhas e às vezes ignorava solenemente assuntos de extrema importância. Era o sinal de que algo precisava mudar em sua vida, só que nada mudava e a rotina com a casa e com os filhos era como uma sentença a ser cumprida.
Finalmente um fato novo surgiu em sua vida. A irmã mais nova, Cecília, que tinha 23 anos, viria para morar com ela. Ajudaria com a casa e as crianças, enquanto estudava e trabalhava. Brenda estava felicíssima, pois, teria mais tempo para si e poderia, quem sabe, encontrar um novo amor.
A chegada da irmã trouxe muita felicidade para todos. Brenda ousava até ir ao cinema com amigas do bairro e vez em quando tomar umas cervejinhas com os amigos na padaria da esquina. Sua irmã, muito séria e responsável, cuidava da casa e das crianças nessas horas. Tudo corria às mil maravilhas.
Certo dia a irmã trouxe uma verdadeira novidade. Tinha arrumado um namorado. Um amigo de trabalho, boa pessoa, sem vícios, querendo compromisso sério. Trouxe o rapaz para que todos o conhecessem.
No início Brenda não gostou muito dele, além do quê, passaria a freqüentar a casa, retirando a privacidade que ela tanto prezava. Particularmente aborrecia-lhe a idéia de ter que passar a andar vestida pela casa durante as quentes e desconfortáveis noites de verão.
A irmã de Brenda era linda e jovial. Loira, olhos verdes, corpo torneado naturalmente, Cecília era a irmã mais nova e a mais bonita. Seu namorado Fred era alto e moreno. Corpo trabalhado nas academias de musculação fazia suspirar as meninas do bairro.
Era um sujeito boa praça, possuía um bom emprego, carro novo, e estava sempre de bom humor. Gostava de Cecília, respeitando-a e lhe sendo fiel. Não era um amor ardente. Talvez esse ele nunca tivesse sentido. Estava seguro com Cecília. Sabia que ela poderia ser uma ótima esposa e dedicada mãe dos seus filhos.
A vida é uma autêntica caixinha de surpresas. Brenda confessa que jamais imaginou envolver-se com Fred, apesar na proximidade do cotidiano, e sequer o olhava mais detidamente, quando tirava a camisa dentro de casa para executar algum serviço rotineiro do lar.
Tornaram-se amigos e às vezes ficavam até altas horas da noite conversando sobre diversos temas, sempre agradáveis, eram momentos deliciosos. Cecília geralmente se recolhia cedo, pois acordava de madrugada para trabalhar. Brenda e Fred construíram uma rotina noturna tão intensa que já não conseguiam mais viver sem ela. Apaixonaram-se.
Brenda conta que pensava haver enlouquecido. Mal se alimentava, não cuidava mais da casa e nem dava conta da criação dos filhos. Um fogo intenso a consumia por dentro. Diuturnamente seu corpo vivia em brasas. Sua mente migrou para uma dimensão onde só os amantes ensandecidos conseguem sobreviver. Não podia ser real.
Conta que lutaram por meses, contra essa heresia. Passou a visitar a mãe com mais freqüência e dormir por lá nos finais de semana. Fugia de Fred e sentia que quanto mais fugia mais se ligava a ele, mais precisava dele, na mais pura e deliciosa insensatez dos amantes.
Não se lembrava há quanto tempo tinha tido a última noite de amor. Havia se separado há quatro anos, e de lá para cá, ficou duas vezes com o ex-marido, após visitas noturnas às crianças e de umas taças de vinho além da conta. Brenda havia esquecido como era queimar de desejo.
Fred não olhava mais Cecília nos olhos. Vivia irrequieto e demonstrava uma inconstância incomum. Cecília fingia nada perceber, mas, sabia que as noites em que adormecia e deixava os dois a sós, estavam germinando uma flor que ela não poderia colher. Apaixonada por Fred sabia que nada podia fazer, a força revolucionária da paixão varria a vida dos três, sem dó nem piedade. Foi apenas questão de tempo. Brenda conta que se entregou de corpo e alma ao cunhado, numa noite chuvosa de domingo. Estavam sós, as crianças tinham ido com Cecília para a casa da avó. Um imenso temporal assolou a cidade. Estavam os dois tentando varrer a água que teimava em entrar pelo vão inferior das portas, quando a luz apagou e os dois, molhados e ofegantes, se tocaram. O estrondo de um raio fez cumprir a anunciada profecia e fez Brenda se proteger e aninhar-se nos braços de Fred.
Eletrizante, foi uma situação eletrizante, ela me relata. Foi como se o céu houvesse desabado e todas as direções mudado de rumo. Foi tão intenso que o tempo passou e não se percebeu que o dia havia amanhecido. Exaustos e saciados como dois animais, permaneciam unidos como se tivessem passado a vida inteira juntos. Uma onda de ternura e amor cobriu os dois amantes com o nascer da aurora. Um final épico, como nas grandes óperas como a Aída de Verdi, quando ao fim do quarto ato, o guerreiro Radamés é condenado por traição e levado para o interior de sua cripta, onde se despede da vida e da lembrança de sua amada para sempre. Então aparece Aida, que conseguiu entrar furtivamente no túmulo para morrer ao seu lado. A escrava egípcia e ex-princesa etíope encontra a morte nos braços do seu amado, encerrando a epopéia.
Para Brenda o mundo poderia terminar ali, naquele exato momento. Pois morreria feliz como Aída, nos braços do seu amado.
Termina sua mensagem dizendo que depois disso vinte anos se passaram. A paixão durou exatamente um ano. Brenda chegou a engravidar de Fred mas perdeu a criança sem que ninguém soubesse. Hoje é funcionária pública, os filhos cresceram e se foram. Ela vive sozinha com suas lembranças. Sua irmã Cecília que oficialmente nunca soube de nada, está casada e feliz com a família. Fred desapareceu depois deste incrível ano de paixões e luxúrias que viveram. Nunca mais soube notícias dele, que ainda hoje aquece seus pensamentos nas noites chuvosas de verão, entre doses solitárias de vinho.
Brenda carrega a culpa de ter tirado o grande amor da vida de sua irmã e ao mesmo tempo tê-lo conquistado e obrigado a renunciá-lo por conta das convenções da sociedade e da família.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Um dia te perdoarei por te trair...

“O amor, no meu entender, devia surgir de repente,
com ruídos e fulgurações,
tempestade dos céus que cai sobre a vida e a revolve,
arranca as vontades como folhas
e arrebata para o abismo o coração inteiro.”
(
Gustave Flaubert)
Recebo o e-mail de uma leitora que diz ser casada há 25 anos. Seu nome fictício é Clara. Ela enfatiza que vive em harmonia e afirma amar o marido profundamente. Mesmo assim, eventualmente, costuma sair e fazer amor fora do casamento. Sente-se dividida entre o que considera ser certo e o que conclama ser justo. O certo, ela diz, seria ser fiel ao marido, independente da situação. O justo, sentencia, é ser feliz e dar vazão à sua necessidade de ser valorizada e querida, mas além de tudo, cortejada e desejada.
Ela me diz que sempre teve uma vida tranqüila, talvez rotineira demais, mesmo no período de adolescência. Poucos envolvimentos, cidade pequena, namorado amigo de infância, flertes na pracinha, noivado, casamento, filhos, pão de queijo e missa. Tudo muito tradicional.
Ela conta que a partir do segundo filho as coisas começaram a mudar de rumo em sua vida. O marido invariavelmente a deixava só com os filhos nos finais de semana para ficar com os amigos no dogmático futebol e na essencialidade do boteco. Ela, filha de família tradicional, cumpria religiosamente o papel que a sociedade lhe destinou: cuidar da casa, dos filhos e do marido. A vaidade e a auto-estima desvaneceram-se nas brumas do tempo. O brilho do olhar tornou-se difuso e sem vida. No papel de esposa amante, nada de alegria, nada de harmonia, nada de fantasia. Somente o sexo invariavelmente obrigado, insuficiente, geralmente nauseabundo, cheirando à álcool e à atmosfera de botequim.
Viveu assim durante duas décadas, forçando o sorriso para a sociedade, fingindo orgasmos e criando os filhos. Vivia como uma sombra, aliás, era a sua própria sombra. Um estranho fantasma, que assombrava principalmente à si própria.
Um certo dia, enquanto flanava absorta pela cidade, fazendo compras, quando percebeu que alguém lhe olhava de maneira insistente. Era um amigo dos tempos de ginasial, agora com alguns fios grisalhos nas têmporas. Maduro mas muito bonito, mantinha o mesmo sorriso cativante de outrora. Encontraram-se no hortifruti e entre alfaces e rúculas um raio de fatalidade caiu sobre os dois. Foi como uma explosão atômica, um vigoroso vulcão jorrando sua lava incandescente para os céus, um tsunami emocional, o rompimento de um casulo escuro e úmido, onde uma larva amorfa esteve presa por longo tempo em hibernação, despertando então travestida em uma multicolorida e esvoaçante borboleta, abrindo suas asas à luz do sol e ao calor da vida. Willian Shakespeare
diz que quando o ancoradouro se torna amargo a felicidade vai aportar em outro lugar. E assim aconteceu.
Clara então passa a viver um conflito interno entre seu recém descoberto amor entremeado de emoção e desejo e um enorme sentimento de culpa. Sentada á mesa com à família, às vezes sentia-se suja e indigna de sua família, por estar se entregando de corpo e alma ao seu amante. Tentava esconder suas mudanças de comportamento e sua felicidade, sem falar da onda de ternura e amor que sentia pelo homem que a resgatou de volta para a luz. Embriagou-se com o vinho do amor, para o qual não existe antídoto. Para não morrer, dizia Toulouse-Lautrec, devemos sorvê-lo até a última gota.
A vida de Clara segue normal e seu marido de nada desconfia. Envolvido com o futebol e a turma do boteco, aliado ao sentimento de posse e domínio que sempre nutriu pela esposa, jamais imaginaria que ela ama outro homem e que é uma chama viva quando a ele se entrega. Sim, entrega total e verdadeira. Talvez por isso tenha-se originado o termo traição: do latim traditione, que quer dizer, entrega. Clara, nossa Madame Bovary das Vertentes, não se sente forte o suficiente como mulher, nem confiante o bastante como amante para dar fim ao seu casamento. Segue em sua vida dupla: entediando-se em casa e realizando seus mais profundos desejos através das maravilhosas e sofisticadas fantasias com seu amante. Quem ousa atirar a primeira pedra?

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Livreiro de Cabul e as Invisíveis Burcas Brasilianas

No excelente livro “O Livreiro de Cabul” da norueguesa Asne Seierstad, vive-se a dura realidade da vida cotidiana do Afeganistão, país devastado por sucessivas e intermináveis guerras. As contradições afegãs e um complexo e tolhido universo feminino, nos faz refletir sobre a distância cultural entre nossas sociedades enquanto que, ao mesmo tempo, nos remete para situações muito próximas em famílias brasileiras.
Em certa passagem do livro, o jovem Karim, Jornalista e órfão de pai e mãe se apaixona por Leila, filha caçula de Bibi Gul, matriarca e mãe de 13 filhos. Bibi Gul, por ser viúva, vive com seu irmão, Sultan Khan o patriarca da família que é casado com duas esposas. As ordens despóticas de Sultan são indiscutíveis e Leila, que funciona como empregada doméstica de todo o clã, sonha em se casar e ter sua própria família.
O Afeganistão tem uma cultura muito particular, o conservadorismo afegão vai além do uso da ‘burca’ pelas mulheres. Passa pela submissão existencial onde se inclui as tarefas domésticas diárias e extenuantes, transita pela exclusão institucional em relação ao mercado de trabalho, por não poder possuir amigos do sexo masculino e ao menos estudar ou conversar com eles. As afegãs acostumaram-se a ver o mundo através das rendas das ‘burcas’, onde o calor e o desconforto extinguem toda a beleza e frescor do existencial do feminino. Portanto, um bom casamento que a liberte da pesada escravidão familiar é tudo que uma mulher afegã pode sonhar. Karim e Leila amam-se desesperadamente sem nunca terem ao menos conversado um com o outro. Sonham sonhos secretos de viverem juntos por toda a vida. Mas para isso as famílias precisam autorizar o enlace, é assim na sociedade afegã. Numa rara oportunidade que têm de se aproximar um do outro, Karim e Leila travam um diálogo surreal numa repartição pública de Cabul:

- Qual é sua resposta?

- Você sabe que eu não posso te responder -, ela diz.

- Mas o que você quer?

- Você sabe que eu não posso querer nada.

- Mas você gosta de mim?

- Você sabe que eu não posso ter opinião sobre isto.

- Você vai aceitar se eu pedir a sua mão?

- Você sabe que não sou eu quem decide.

- Você quer me encontrar de novo?

- Não posso.

- Por que não pode ser um pouco mais gentil? Você não gosta de mim?

- A minha família é quem decide se eu gosto de você ou não.

Karim e Leila jamais se viram novamente. Decepcionado com o ocorrido, o jovem decide seguir a carreira religiosa e se tornar um Mulá. Leila continuou em sua vida de doméstica da família e o livro não avança mais do que isso sobre os dois.
Piores que as ‘burcas’ afegãs são as ‘burcas brasileiras’, onde, mulheres são tolhidas de enxergar o mundo com seus próprios olhos para serem obrigadas a olhar com o olhar da família ou do marido. É fato corriqueiro hoje em dia, que a mulher primeiro avalie no que pensará a sociedade, para depois tomar alguma decisão.
Nas coisas do amor é ela quem mais sofre. Muitas vezes, como as afegãs, casam para deixar uma família exploradora e sem amor. Melhor sofrer em sua própria casa que na de outrem. Passará a vida (geralmente) por trás de uma ‘burca invisível’, sem atitude própria, sem opinião, fingindo orgasmos e erotismo, sem direito ao trabalho e assentir calada ao cheiro de álcool e do perfume barato que ele trás impregnado das outras mulheres.
Como no Afeganistão, as mulheres brasileiras que envergam uma burca invisível, usufruem de raros momentos de alegria. Na maioria dos casos quando visitam a família e a mãe, matriarca sempre tão generosa e acolhedora.
Gustav Klimt, pintor simbolista austríaco nascido no século XIX emoldurou de maneira magnífica em sua tela “O Beijo”, a posição da mulher que aceita o beijo do homem que a subjuga sem porém se entregar. No quadro, que encerra a ‘art noveau’ vienense para dar lugar ao expressionismo, se sente a atmosfera do prazer atingido, sem expressar porém qualquer tipo de sublimação do amor por parte da mulher.
O universo da mulher é infinitamente mais rico e complexo que o masculino. Então, quando o homem enfrenta algo desconhecido e grandioso, como a alma feminina, geralmente rejeita, recua ou agride. Sendo assim, torna-se mais fácil e seguro para os homens, pô-las a vestir a burca invisível do autoritarismo, do que procurar entendê-las, humildemente, no poder e plenitude do maravilhoso universo que elas possuem.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Édipo Gritante
O que fazer quando ele vê na mulher uma outra mãe?

E aqueles que foram vistos dançando,
foram julgados insanos por aqueles
que não podiam escutar a musica.
(Friedrich Nietzsche)

Um casal tem por obrigação de "demarcar seu território" em relação às suas famílias - do homem e da mulher, respectivamente. Família não se pode escolher e, por isso, somos submetidos muitas vezes à ditadura de sogras, irmãs, cunhados, primos, primas, etc.
O sentimento e a unidade da família só têm sentido quando for para iluminar os lares de felicidade. A vida é muito dura e em muitas vezes, nos momentos em que estamos mais fragilizados, parte da família, tentan nos culpar, nos diminuir, nos magoar.
Parece que querem nos jogar de vez no precipício. Agora, por outro lado, fugir de uma realidade que está posta, pode ser um "tiro pela culatra". No caso feminino, a mulher geralmente é cobrada, por força atávica, pelo mundo matriarcal, de "roubar" o varão da família e querê-lo só para si. Para algumas famílias é uma grande blasfêmia o ato de “tirar o menino de casa”. E você mulher, precisará estar atentíssima, pois, havendo uma crise qualquer, poderá ser cobrada por ter propiciado a separação da família e usurpado o filho da mãe (com ou sem trocadilho, fiquem à vontade...).
As decisões devem ser pensadas para que as cobranças futuras, não sejam um fardo pesado demais para se carregar. Por incrível que pareça ainda se vê no mundo moderno o filho que sofre forte influência de mãe e, quando resolve tentar ser um homem independente, saindo de casa e construindo um lar, geralmente com uma mulher, bate uma síndrome de Édipo daquelas de arrasar quarteirão.
Na tragédia de Sófocles, a obsessão libidinosa do filho pela madrasta, Jocasta, leva Édipo a matar seu pai Laio, para que possa enfim desposá-la. Ao descobrir que Jocasta era sua mãe verdadeira, fura os próprios olhos e Jocasta dá cabo da própria vida, encerrando a tragédia. Sófocles apresenta-se cada vez mais atual, se fizermos uma reflexão profunda sobre as relações triangulares entre mães, filhos, esposas e mulheres. Para aumentar o caos, Carl Jung nos brinda com Complexo de Electra que analisa a aguerrida disputa entre mães e filhas pelo amor do pai e esposo. É outro mito grego baseado em Electra, filha de Agamenon que juntamente com seu irmão tramou a morte da mãe Clitemnestra, para vingar a morte do pai, pelo qual era apaixonada. Nosso herói então, para aliviar a culpa de ter se separado da mãe, resolve cobrar da companheira, sua mulher, a postura da mãe protetora e de suas idiossincrasias edipianas. Na verdade não digeriu bem a “separação” e o afastamento da mãe. Apesar de nos primeiros momentos ter conseguido abafar o Édipo que grita em suas entranhas.
Ele precisa de outra mãe. E agora? Você é mulher, não é mãe... Talvez esteja até precisando de um pouquinho de pai! E o chorão ali, querendo colo... Reclamando que o frango tá sem sal, que a camisa não está bem passada...que a mãe dele fazia assim e assado... Putz...Às vezes o problema está dentro da gente e por diversos motivos, ficamos repassando-o para outras pessoas. É importante avaliar até que ponto, as coisas são isso mesmo. Família não tem poder para acabar com uma relação completa e plena. O que acaba com o amor a dois é desamor... Hábitos destrutivos como a infidelidade, o desrespeito, a rejeição, não ouvir a companheira, a imaturidade para criar os filhos, falta de compromisso com o outro. Um conjunto de artimanhas que certamente são estratégias do Édipo gritante que dará fim à relação amorosa tão sonhada e desejada.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Essas Maravilhosas Feministas Brasileiras e os Vagalumes de Braudel


Fernand Braudel disse há cinco décadas que certos acontecimentos históricos eram como os vagalumes. Brilham mas não iluminam o caminho. Obviamente sem o brilhantismo acadêmico do grande pensador e farol de inúmeras gerações, faço uma comparação com o momento político brasileiro atual. O Brasil saiu recentemente de seu modelo agrário para a industrialização. A mudança transformou o perfil de nossa sociedade de maneira significativa. Os meios de comunicação de massa, rádio, TV, Internet, telefonia móvel, o planeta ruma célere para um desenvolvimento tecnológico nunca visto. As assimetrias sociais e raciais que afligem a sociedade contemporânea oscilam de maneira sazonal entre os povos. Massacre nos Bálcãs contra fim do Apartheid na África do Sul. Permanência do domínio colonial inglês nas Ilhas Malvinas contra a ascensão de um presidente negro nos EUA e um índio na Bolívia. As assimetrias se sucedem e os acontecimentos se tronam banais. Meros vagalumes de Braudel. No Brasil acontece uma coisa verdadeiramente excitante que é a possibilidade da continuidade do Governo Lula. O país passará por momentos eletrizantes nos próximos meses. De um lado uma candidatura com perfil conservador e de outro uma mulher guerreira e ex-guerrilheira, forjada nas lutas contra a repressão da ditadura militar nos anos de chumbo. A batalha será duríssima. Não se enganem os inocentes de plantão com o já ganhou, geralmente alardeado pelos hiper-otimistas que vivem no mundo de Polyana. Historicamente as mulheres sempre foram discriminadas em nossa sociedade. O processo político brasileiro nunca permitiu que uma mulher se elegesse presidente da república. O voto e a candidatura feminina eram possíveis, mas não considerados na Constituição de 1891. O artigo 171 da referida carta-magna rezava que cidadãos poderiam votar e ser votados. Segundo a interpretação machista da época, mulheres não eram “cidadãos”, além de considerarem a candidatura feminina uma enorme desonra para as mulheres. Podemos dizer até que houve uma regressão jurídica, pois, houve em um primeiro momento em que a Constituição de 1889, em sua primeira versão, admitia o voto feminino. Mas o artigo foi nas edições posteriores. Fatos históricos como esses, seriam relegados à mera condição de “vagalumes de Braudel” se não fosse a luta de mulheres excepcionais como Nísia Floresta, Berta Lutz, Celina Guimarães Viana, Maria Moura e Carlota de Queiroz. Nísia Floresta, considerada a fundadora do feminismo no Brasil, sempre desde sempre, foi árdua defensora do voto feminino e pelo trabalho para mulheres sem autorização do marido. Betha Lutz criou em 1919 a Liga da Emancipação feminina, que no movimentado ano de 1922 (criação do PCB, Coluna Prestes, Movimento Tenentista, Semana de Arte Moderna) se transformou na Federação Brasileira para o Progresso Feminino Minas Gerais e Rio Grande do Norte, foram os primeiros estados do país a legalizarem o voto feminino. Celina Guimarães Viana foi a primeira eleitora registrada no Brasil, no ano de 1927, baseada em um artigo da lei eleitoral potiguar. Mas foi a feminista e advogada mineira Mietta Santiago que iniciou a verdadeira revolução pelo voto feminino, em 1928, ao perceber que a proibição ao voto das mulheres ia de encontro à Constituição Federal de 1981, exatamente em seu artigo 70. Mietta se candidatou à Cãmara Federal e votou em si mesma, quebrando um tabú político que muitos imaginavam impossível. Em 1934, a médica paulista Carlota de Queiroz é eleita a primeira deputada Federal do Brasil para a Constituinte do mesmo ano. Carlota de Queiroz foi fundadora da Academia Brasileira de Mulheres Médicas. Seu mandato foi em defesa das mulheres e das crianças. Carlota manteve uma ativa atividade parlamentar até 1937, quando seu mandato foi interrompido com o golpe de estado prepetrado por Getúlio Vargas. Carlota proferia dircursos emocionantes no Congresso Nacional. Em 1934 emocionou a todos com este pronunciamento: "Além de representante feminina, única nesta Assembléia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira, integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas. (…) Acolhe-nos, sempre, um ambiente amigo. Esta é a impressão que me deixa o convívio desta Casa. Nem um só momento me senti na presença de adversários. Porque nós, mulheres, precisamos ter sempre em mente que foi por decisão dos homens que nos foi concedido o direito de voto. E, se assim nos tratam eles hoje, é porque a mulher brasileira já demonstrou o quanto vale e o que é capaz de fazer pela sua gente. Num momento como este, em que se trata de refazer o arcabouço das nossas leis, era justo, portanto, que ela também fosse chamada a colaborar. (…) Quem observar a evolução da mulher na vida, não deixará por certo de compreender esta conquista, resultante da grande evolução industrial que se operou no mundo e que já repercutiu no nosso país. Não há muitos anos, o lar era a unidade produtora da sociedade. Tudo se fabricava ali: o açúcar, o azeite, a farinha, o pão, o tecido. E, como única operária, a mulher nele imperava, empregando todas as suas atividades. Mas, as condições de vida mudaram. As máquinas, a eletricidade, substituindo o trabalho do homem, deram novo aspecto à vida. As condições financeiras da família exigiram da mulher nova adaptação. Através do funcionalismo e da indústria, ela passou a colaborar na esfera econômica. E, o resultado dessa mudança, foi a necessidade que ela sentiu de uma educação mais completa. As moças passaram a estudar nas mesmas escolas que os rapazes, para obter as mesmas oportunidades na vida. E assim foi que ingressaram nas carreiras liberais. Essa nova situação despertou-lhes o interesse pelas questões políticas e administrativas, pelas questões sociais. O lugar que ocupo neste momento nada mais significa, portanto, do que o fruto dessa evolução.
" Maria Moura - Uma Anarquista Maravilhosa!!!!
Os cinco volumes da obra “Os Companheiros” de Edgar Rodrigues listam o nome de 52 mulheres que tiveram especial relevância no movimento social, no período que vai do final do século XIX à metade do século XX. Mineira de Barbacena, Maria Moura merece destaque, não só pela sua combatividade, mas pela sua intensa atividade literária, como também pelo sucessor, não só no Brasil, como nas Américas e Europa. Maria Moura organizou um grupo de mulheres da região para a construção de casas populares para a população carente da cidade. Participou da fundação da Liga Contra o Analfabetismo. Mudou-se para São Paulo onde passou a trabalhar na imprensa operária e anarquista brasileira e internacional. Publicou artigos em jornais progressistas como O Combate, de São Paulo e O Ceará de Fortaleza, de onde se extraiu o texto Feminismo? Caridade? Bem como em diferentes jornais operários e anarquistas de todo o Brasil. Em Fevereiro de 1923, lançou a revista Renascença, publicação cultural divulgada no movimento anarquista e entre setores progressistas e livre-pensadores. A importância desta militante pode ser avaliada, entre outros, pelo fato de que, em 1928, jovens estudantes e trabalhadores paulistas terem invadido o jornal pró-fascista italiano Il Piccolo, como resposta a um artigo que caluniava violentamente a pensadora libertária. Na mesma época, Rachel de Queiroz polemizou acaloradamente, nas páginas do jornal O Ceará, com um jornalista cearense que atacou Maria Lacerda. Ativa conferencista, tratava de temas como educação, direitos da mulher, amor livre, combate ao fascismo e antimilitarismo, tornando-se conhecida não só no Brasil, mas também no Uruguai e Argentina, onde esteve convidada por grupos anarquistas e sindicatos locais. Entre 1928 e 1937, a ativista libertária viveu numa comunidade em Guararema (SP), no período mais intenso da sua atividade intelectual, tendo descrito esse período como uma época em que esteve "livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais". Maria Lacerda de Moura pode ser considerada uma das pioneiras do feminismo no Brasil e uma das poucas ativistas que se envolveu diretamente com o movimento operário e sindical. Entre os seus numerosos livros destacam-se: Em torno da educação (1918); A mulher moderna e o seu papel na sociedade atual (1923); Amai e não vos multipliqueis (1932); Han Ryner e o amor plural (1928) e Fascismo: filho dileto da Igreja e do Capital. O texto de Maria de Moura que transcrevemos de seguida foi publicado no jornal independente O Ceará (1928), de Fortaleza, a pedido da então jovem escritora Rachel de Queiroz, que se consagraria como uma das grandes romancistas brasileiras contemporâneas. Esse texto expressa o pensamento de Maria Moura sobre o feminismo e sua visão anarco-individualista. Uma filosofia libertária bastante influenciada por Han Ryner, um pensador libertário original que se destacou em França como ativista anti-militarista, anti-clerical e defensor do amor livre. Outra influência notória no texto é a de Emile Armand. É certo que ele não representa todo o pensamento da anarquista brasileira. Como todo militante, com larga atividade literária, passou por diferentes fases e sua reflexão abordou temas tão diversos como a guerra, o malthusianismo e a pedagogia libertária. Polêmica na literatura e na militância, Maria Moura passou pela Maçonaria e pela Fraternidade Rosa Cruz, com quem rompeu denunciando-a como agente do nazismo. Atravessou algumas fases de maior envolvimento social e outras de isolamento, umas de otimismo e outras de declarado pessimismo. E, se no fim da vida, permanecia num certo pessimismo, isso se deve certamente às divergências e rupturas que, no fim da década de 20, confrontavam anarquistas e comunistas ao mesmo tempo em que acontecia a ameaçadora ascensão do fascismo. No entanto, quando após a fundação do Partido Comunista dirigentes desse partido, fizeram várias tentativas para aliciá-la, a pensadora libertária recusou-se a abandonar sua visão de mundo, mantendo até ao fim da vida o seu anarquismo individualista. Maria Moura é praticamente desconhecida no Brasil, mas sua vida e obra lhe caracterizam como aquela que seria uma das primeiras e mais importantes ativistas das causas das mulheres no mundo, mas que nunca reconheceu no Estado, no Direito e no acesso profissional burguês a sua causa. Na verdade, isso acontece porque, antes de tudo, via generosamente a luta feminista como parte integrante do combate social compartilhado igualmente por homens e mulheres engajados na luta pela eliminação de toda exploração, injustiça e preconceito. Maria Moura e todas essas maravilhosas mulheres deixaram um verdadeiro legado de luta contra a opressão masculina e a homofobia. São iluminadoras, suas vidas servem como archotes na escura noite da subcidadania. Não são vagalumes de Braudel, seus brilhos não são efêmeros. São e serão, sempre imponentes, faróis que nos guiam nas tempestades e tormentas da vida.





Nísia Floresta

É considerada uma pioneira do feminismo no Brasil e foi provavelmente a primeira mulher a romper os limites entre os espaços público e privado publicando textos em jornais, na época em que a imprensa nacional ainda engatinhava. Nísia também dirigiu um colégio para moças no Rio de Janeiro e escreveu livros em defesa dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos.








Celina Guimarães Viana



Nascida no Rio Grande do Norte foi a primeira eleitora inscrita no Brasil. Ao conquistar o título de eleitora, acabou desencadeando um grande movimento, levando mulheres de diversas cidades do Estado e de outros nove estados brasileiros a lutar pela mesma conquista. A luta pela emancipação política feminina ganhou impulso em todo o país e o voto feminino foi regulamentado no Brasil em 1934. Em dia 25 de novembro de 1927, ela deu entrada numa petição requerendo sua inclusão no rol de eleitores do município de Mossoró (RN), onde nasceu e viveu.

Carlota Queiroz



Fundou a Academia Brasileira de Mulheres Médicas, em 1950. Foi a primeira deputada federal da História do Brasil, eleita pelo estado de São Paulo em 1934, fez a voz feminina ser ouvida no Congresso Nacional. Seu mandato foi em defesa da mulher e das crianças, trabalhava por melhorias educacionais que contemplassem melhoria no tratamento das mulheres. Além disso, publicou uma série de trabalhos em defesa da mulher brasileira.

Bertha Lutz



Depois de tomar contato com os movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos, Berta Lutz criou as bases do feminismo no Brasil. Foi a fundadora da Federação Brasileira para o Progresso Feminino, em 1922, após ter representado o Brasil na Assembléia Geral da Liga das Mulheres Eleitoras, realizada nos Estados Unidos, onde foi eleita Vice-Presidente da Sociedade Pan-Americana. Foi eleita suplente para deputado federal em 1934, após fracassar em duas eleições. Em 1936 assumiu o mandato. As principais bandeiras de lutam eram mudanças na legislação trabalhista com relação ao trabalho feminino e infantil, e até mesmo a igualdade salarial. Em 1937 perdeu o mandato com o golpe do Estado Novo, de Getúlio Vargas.

Maria Moura



Formou-se na Escola Normal de Barbacena e trabalhou como educadora, adotando a pedagogia de Francisco Ferrer e lecionando em Escolas Modernas. Em 1920, no Rio de Janeiro, fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher, que combateria a favor do sufrágio feminino. Após mudar-se para São Paulo em 1921, se tornou ativa colaboradora da imprensa operária e anarquista.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O Brasil e Copa da África


O Brasil não ganhou a Copa do Mundo da África. Tragédia nacional. Assim que o juiz apitou o fim do jogo com a Holanda, que decretou o regresso do escrete canarinho mais cedo para o Brasil, consegui ver homenzarrões com olhos marejados, vermelhos, demonstrando um sofrimento ímpar...uma não merecida melancolia...afinal, o brasileiro não desiste nunca.

Mathias, meu amigo grandalhão, já mergulhado no copo de Vemuth, bradava aos quatro ventos que o futebol para ele havia acabado naquele momento. Torcedor histórico do valente Atlético Mineiro, Mathias jurava para que pudesse ouvir que nunca mais adentraria em um estádio de futebol.

Paulo, cujo apelido é “Pelé da Copa de 58”, pela semelhança, havia comprado três caixas de morteiros 12 x 1 da Caramuru, para festejar o Hexa. Sem ter o que fazer com os morteiros, Paulo, crioulo liso, tomou uma passando a régua e foi pro seu cafofo chorar as mágoas com a dona Juraci.

Aloísio, técnico do time amador da cidade, clamava por justiça. Não conseguia compreender o esquema montado por Dunga. “A seleção tava toda “torta”, urrava. Time torto não ganha jogo!!!!!” Quanto mais lamentava mais se lembrava de Telê Santana e sentenciava: “o futebol acabou”, agora são as empresas é o tal marketing é quem manda nos esportes.”

Saudosista, Costela lamentava as ausências de Ronaldinho Gaúcho, Roberto Carlos e Adriano. Repudiava a escalação de inúmeros “cavalos paraguaios” levados por Dunga e que colaboraram com o naufrágio da seleção.

Cambraia, zagueirão de primeira na juventude, beque parado dos bons, se embriagava com cerveja e emoção. Torcedor contido, mas de um fervor inigualável, Cambraia estava à beira de um infarto. Girava em torno de si mesmo como se tentando encontrar uma resposta para a tragédia, só comparável àquela de 50 que os uruguaios chamam de “maracanazzo”. Cambraia ainda jovem, quase morreu quando Giggia avançou pela direita e bateu o goleiro Barbosa, cravando 2 x1 no placar do novíssimo Maracanã, selando uma derrota que calou por inteiro uma nação em festa.

As crianças, coitadas. Não sabiam bem o que fazer. Estavam prontas para fazerem grandes farras com a conquista do Hexa. Convencidas pela mídia que nosso plantel era imbatível, uniram-se em mutirões para decorarem as ruas e exigiram dos pais camisas da seleção, que nem precisavam ser originais. Bastavam estampar o símbolo da CBF e as cinco orgulhosas estrelas vibrando no peito. Foi um baque. Criança não pode encher a cara como o Cambraia e nem ficar xingando à torto e à direita como o Gordo da borracharia. Como pequenos pintainhos foram se recolhendo para as asas da galinha no entardecer, meio sem direção e ainda tentando entender o porquê de holandeses tão sem ginga e rebolado, vencerem nossos gladiadores do hexa.

Como sempre, o treinador pagará o pato pela derrota. No Brasil geralmente evita-se o erro coletivo, faz parte da cultura africana e indígena. Sai o Dunga e tudo estará resolvido. Mais uma vez teremos outro combate titânico. Desta vez a copa será no Brasil. Outro “maracanazzo” ??? Nem pensar!!!! Mas como fazer se Espanha, Holanda e Alemanha estão jogando como sul-americanos e nós, brasileiros, tentando imitar o duro futebol bretão???


A resposta deixo para Freud, ou Hamlet. Ou então para meu amigo Tupamaro que costuma conversar através de provérbios e ditos populares: “Futebol é bola na rede...quem não faz, leva.”

Humanidade Solidária


A espécie humana é profundamente solidária. Não se tem notícia de outra espécie do reino animal que guarda alimentos para uma visita que virá na semana que vem. Nem mesmo de uma vovó rinoceronte que guardou comida para o netinho que virá passar o fim de semana.

A solidariedade é um dos pontos fortes de nossa espécie. Podemos citar alguns nobres exemplos como os doadores de sangue, onde pessoas abandonam seus cotidianos e passam pela nada agradável experiência de ter uma agulha perfurando suas veias e deitando sangue em uma bolsa plástica. Sangue este que salvará uma vida anônima em cirurgias futuras tanto nas complexas como nas de emergência. Podemos citar ainda as doações de alimentos e vestimentas para populações de áreas afetadas por catástrofes. A mobilização é emocionante, cada um oferecendo o melhor de si para ajudar o próximo, desabrigado e faminto.

Existem exemplos impressionantes como de pessoas que saem pelas madrugadas oferecendo refeições para as populações que dormem nas ruas e outras que recolhem animais abandonados. Não podemos deixar de citar o trabalho dos movimentos e ordem das igrejas, entidades privadas como Rotary, Lions, Ordens e Lojas Maçônicas, Associações Comerciais, Sindicatos e tantos outros que certamente este espaço não seria suficiente para que todos fossem incluídos.

Somos solidários na essência. A humanidade é solidária. Apesar do grande e avassalador processo de modernização do nosso modo de viver, somos cada vez mais solidários. Com a informática usamos as redes sociais para nos comunicarmos sem fronteiras e nos tornarmos mais próximos e fraternos. Alguns até casam através da Internet. Com o avião passamos a visitar famílias e parentes distantes com mais freqüência. Com o telefone celular passamos a falar com todas as pessoas que desejamos e também somos procurados por elas.

Na economia, cresce cada vez mais um modelo que faz contraponto ao avanço do capitalismo. É a Economia Solidária. No lugar da competição fratricida, a cooperação. Em vez de degradar o meio-ambiente para produzir cada vez mais, a sustentabilidade. No lugar da homofobia e do machismo, o culto à diversidade e equidade de gênero e raça nas administrações dos seus empreendimentos. No lugar da maximização do lucro para um reduzido número de pessoas, a maximização do trabalho para um número maior de pessoas com a divisão dos ganhos sendo distribuída de maneira proporcional. Na Economia Solidária não existe trabalho infantil e tão menos a exploração de seres humanos em atividades degradantes. Existe sim, uma enorme preocupação com a formação de cidadania, com alegria e criatividade nas jornadas diárias de trabalho compartilhado
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