Amauri Queiroz

terça-feira, 13 de abril de 2010

Garrincha a Alegria do Povo



Sua infância foi como a de um passarinho. Voava pelos quintais das casas do bairro correndo atrás de passarinho ou então jogando intermináveis peladas nas várzeas da cidade, como se fosse um elemento natural. Sabia que nada sabia e isso não o incomodava. Gostava era de viver de verdade, banho de rio, soltar pipa, correr com a molecada e bola....muita bola.
A genialidade, a ingenuidade e a molecagem foram conjunto constante em sua breve e conturbada vida.
As pernas tortas contrariavam todas as teorias do fisiologismo esportivo quanto a um bom desempenho como atleta. A ingenuidade e a molecagem descredenciavam-no a ser uma pessoa apta a praticar futebol profissional, onde o raciocínio lógico e a velocidade nas decisões são fatores indispensáveis aos resultados favoráveis. Sem contar as generosas tragadas de cachaça que freqüentavam seu cotidiano desde a mais tenra adolescência. Tinha tudo para dar errado.

Não se conhece na história do futebol mundial jogador como Garrincha. O Anjo das Pernas Tortas desafiou todas as leis e dogmas da ciência, para entrar definitivamente no panteão dos imortais do esporte bretão. Chamavam-no “A Alegria do Povo” tanto que desconcertava e humilhava seus adversários nos gramados mundo afora.
A ciência não tem ciência em como explicar sua forma de jogar futebol, sempre contrariando a Lei da Gravidade. Seus marcadores, geralmente assombrados e desnorteados, eram chamados por ele de “João”. Não importando se eram fleumáticos ingleses ou elásticos beques africanos. Em dupla com Pelé jamais perdeu uma partida pela seleção brasileira, e olha que foram quarenta e quatro certames que a dupla jogou em alta sintonia e enorme poder de destruição. Foram duas copas do mundo onde o brasileiro, segundo o dramaturgo Nelson Rodrigues, abandonou seu espírito de vira-latas e se engalanou de cidadania e orgulho auri e verde para receber nosso campeões.

Garrincha deu as maiores alegrias que um atleta poderia ter oferecer aos seus súditos. Era a nossa alegria, fazia sorrir o povo sofrido, o povo do povo. Sim, súditos, pois, seus dribles desconcertantes e suas jogadas fenomenais o elevaram à qualidade de rei do futebol. Suas tiradas ingênuas acerca do rigor das táticas futebolísticas fazem parte do folclore da resenha esportiva. Nunca mais, um estádio de futebol inteiro gritará “olé” quando um jogador passar por outro e ao mesmo tempo, de maneira desconcertante e improvável, retorne abruptamente esperando que o mesmo se levante para que possa repetir a façanha agora já de uma outra maneira improvável.

Morreu aos 50 anos, pobre e deprimido. O artista que tantas alegrias proporcionou à humanidade sai de cena quase incógnito, devastado pelo álcool e pelas inúmeras drogas que infiltraram em seus joelhos para que não pudesse abandonar as partidas de futebol. Era então uma estrela solitária. Carlos Drummond de Andrade deixou-lhe uma bela homenagem em forma de poema:
“Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é, sobretudo, irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios. Mas, como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho”.
Agora está lá no céu. Infernizando a vida de Heleno de Freitas, Zizinho, Feola e toda a sorte de companheiros de glórias aqui na terra. Lá no céu pode correr atrás de seus passarinhos livremente, sem se preocupar com o amanhã. Pode jogar bola na lua, brincar de pique - esconde nos anéis de Saturno e laçar estrelas cadentes pelo espaço sideral.
Garrincha se foi. Será que Garrincha morre?

Amar Congonhas....




Existem coisas que fazem a vida valer à pena. Às vezes somos surpreendidos com novas situações, tão inesperadas que parecem ser desígnios de Deus.
Falo de minha súbita vinda para Congonhas, cidade histórica de Minas Gerais, onde o patrimônio histórico é grandioso, do tamanho de sua história e de seu povo.
Em Congonhas o barroco salta aos nossos olhos, nos extasiando com maravilhas como os “Profetas do Aleijadinho”, pinturas e altares nos interiores das igrejas centenárias.
Tenho o privilégio de viver nesta cidade, onde a calma e a quietude das montanhas, se contrapõem à velocidade frenética da atividade de mineração.
Em Congonhas vivemos em dois mundos. Em alguns momentos estamos encantados com o soar dos sinos chamando os romeiros, como disse certa vez Carlos Drummond de Andrade. Enquanto ao mesmo tempo, almoçamos em restaurantes repletos de estrangeiros que trabalham direta ou indiretamente em nossas minas, no ventre de nossas montanhas, arrancando dali o mineral que construirá navios, pontes e infindáveis itens que serão utilizados pela humanidade.
Congonhas às vezes nos remete para o mundo de Alice, onde, aparecem em nossas vidas o gato, o homem de lata e o coelho. É tão intensa a atmosfera dessa cidade, que nos pegamos perguntando para alguns, que caminho deveríamos seguir....sem sabermos ao certo onde gostaríamos de chegar...
A natureza é belíssima e constante. Nem sempre admiramos como deveríamos. Aí ela nos olha com indulgência, pobres mortais corredores...sempre esbaforidos....sem ao menos olhar para o encantamento absurdo e surdo que a todos nos envolve.
Como um carioca da zona sul veio parar aqui? Pergunta que me fazem e que me faço, sem encontrar uma resposta que me contente. Acho que estava procurando minha paz, uma paz verdadeira, que só encontro aqui.
Estava em busca de amigos verdadeiros (que aqui encontrei), aqueles que passam em minha casa, no domingo, às sete da manhã, me convidando para o futebol. Estava em busca de mulheres sábias, tranqüilas e companheiras. Qualidades que somente se encontram reunidas na mulher mineira.
Em Congonhas encontrei coisas maravilhosas que procurava e que a cidade grande não nos oferece mais: feira da roça, criar galinhas, ir à missa obedecendo à convocação dos sinos, comprar fiado na bodega, tomar banho de rio e sacolejar no forró nas noites de sábado.
Ainda me emociono com a lua cheia de Congonhas derramando seu manto prateado sobre os Profetas e a Basílica do Bom Jesus. Emociono-me com o ranger dos carros de boi, com as vaquejadas, Folia de Reis e o Congado. Amo participar das rodas de viola sertaneja, onde a roça, a boiada e o sertão se evadem de nossas gargantas, rumo ao céu, espalhando-se no ar, emocionando as estrelas.
Congonhas... te amo e te venero.

Armando Nogueira - Poeta da Bola


Acho que Deus em sua incomparável sapiência faz a terra parar de girar (só por uns instantes), com o fugaz objetivo de recolher em segurança um daqueles seus, que estava aqui e Ele resolveu chamar de volta. Foi assim que aconteceu com Armando Nogueira, o nosso Marquês de Xapuri. Terra de gente valente, lugar pequeno que sabe fazer gente grande como Glória Perez e Chico Mendes.
Agora a santíssima trindade da crônica esportiva está finalmente reunida: Armando, João Saldanha e Nélson Rodrigues. Por ali, ainda circula carrancudo, o Sandro Moreyra, meio que D’Artagnan. Reivindicando para si o papel de também legítimo e ardoroso botafoguense, como “João sem Medo” e Armando. Cria-se então um movimento separatista, para que a santíssima trindade fosse constituída somente por adoradores da estrela solitária. Mas como bater Nelson... ainda mais com o Glauber do lado dele, naquele falatório danado.
Armando agora certamente está feliz... Imagine poder conversar sem pressa com Garrincha, Zizinho, Heleno de Freitas, Puskas... Altafini... Friedenreich, enquanto o Feola tira sua soneca numa nuvem logo ali.
Chegou lá um pouco cansado. A vida terrena tirou-lhe as forças e agora precisa de descanso. Mas nada como conversar com João, Sandro e Nelson, escandalizados que estão com a não convocação de Neymar do Santos para o escrete canarinho. Assim que chegou já ralhou com Garrincha e um outro, que esconderam suas novas asas atrás de uma cumulus nimbus, de lá ouviu alguém gritando: “Cacildis”!!!! Era o Mussum!!!!
Acho que Deus está fazendo uns ajustes na crônica esportiva. Já que o pessoal só quer saber de blogs, links, sites, web e outras esquisitices, Ele resolveu resgatar os cronistas de verdade, os poetas da pena esportiva. Como escrever!!! De que maneira... Como exaltar Obinas e Dentinhos!!! Sem atentar contra o rígido pudor da estética futebolística e do imponderável e sagrado bailado que a todos extasia!!!!
Vivendo num período de transição, da terra paro céu e vive-e-versa, Armando vivia ora nos ares, ora na terra (planando suavemente como sempre escreveu e viveu) nos seus ultraleves, em seu ultraleve viver. Quando um dia, olharmos para o céu e avistarmos uma estrela brilhante bem sozinha, pode ter certeza que será o Armando, e se prestarmos mais atenção ainda, notaremos Nelson Rodrigues, João Saldanha e Sandro Moreira, formando uma linha imaginária, tentando conter e aconselhar um cometa desgovernado e saltitante, divertindo a todos, chamado Mané Garrincha.