Amauri Queiroz

quarta-feira, 6 de abril de 2011

A Felicidade não Mora ao Lado

Recebo um e-mail de uma leitora que diz se chamar Pamela. Ela conta que já passou dos quarenta, que tem três filhos, um menino e duas meninas e um namorado ocasional, que é casado e tem problemas de alcoolismo. Pamela trabalha em uma empresa sólida e recebe um salário condizente com sua formação acadêmica e profissional. Sua mensagem é um tanto enigmática, na medida em que não traça uma linha do tempo entre o seu casamento e agora já separada há pelo menos 10 anos. Surpreende-me com a revelação de que não é mais feliz, que sua vida se resume em trabalhar e retornar ao lar. Diz que não sai de casa nunca. Que não gosta de música e tampouco sair para jantar, dançar, viajar e coisas desse tipo. Conta que se casou com o homem que gostava e que sua vida era plena em todos os aspectos: material, profissional e afetiva. Diz que o marido a procurava com uma intensidade avassaladora durante todo o tempo em que estavam juntos. Um dia, o marido foi transferido para uma cidade próxima e sua vida foi tomada por um imenso vazio. Inicialmente viam-se nos finais de semana e após algum tempo os encontros passaram a ser quinzenais e logo após mensais. Vieram as crianças e a vida rotineira de mãe e dona-de-casa longe do marido. O companheiro, continuava sua vida dupla, agora literalmente, pois, tinha ficado noivo de uma jovem de família tradicional, na cidade vizinha, estando até com casamento marcado. Soube da estripulia do marido através de terceiros. Arrasada, presa aos três filhos e à solidão conjugal, mergulhou em profunda depressão. A separação foi inevitável. Anos se passaram e ela, sem nunca mais ter se entregue a outro homem, aceita o marido de volta, após o fracassado casamento com a ninfeta rural e o fim do trabalho longe de casa. Jamais tocaram no assunto e a vida seguiu em frente, casa, marido, filhos e trabalho. O raio caiu duas vezes no mesmo lugar. O marido foi transferido novamente para uma pequena cidade próxima, e como da outra vez, ele partiu proferindo juras de amor. Medos e sobressaltos passaram a rondar o cotidiano de Pamela. O braseiro que tomava conta de sua cama em infindáveis madrugadas havia se transformado em uma planície de gelo. O macho que a procurava como que se quisesse seviciá-la diuturnamente, dormia placidamente ao seu lado, como um doce bebê. Como da outra vez, as visitas nos finais de semana passaram a ser mais esparsas e, como da outra vez, ele se apaixonou novamente. Só que agora tinha sido por um homem. Cidade pequena, o escândalo tomou conta das conversas nas pracinhas, botecos e salões de barbeiro. Ela arrasada, transtornada, humilhada, não conseguia entender como ele teve a coragem de trazer o amante para a própria cidade e com ele passar a viver uma vida dita conjugal. O que poderia ser mais cruel para uma mulher do que ser trocada por um homem, e pelo próprio marido!!! Pamela mergulhou novamente em seu mundo difuso, de nada, onde permanece até hoje... Casa, trabalho, filhos. Diz que talvez nunca se recupere de uma sina tão cruel. Foi criada para casar, ter filhos, cuidar do marido. Seu sonho era juntar a família aos domingos, depois da missa, para comerem macarrão e frango com quiabo. Não entende por que herdou um destino tão cruel. Passaram-se 10 anos e o ex-marido continua vivendo com seu parceiro, na mesma cidade, sem dar a mínima importância aos filhos. Pamela segue seu destino, trabalhando, namorando um homem casado, alcoólatra e violento. Cuida da casa e dos filhos, alguns já apresentando problemas de conduta. Não gosta de viajar, de sair para dançar, passear, vida social, enfim, diz que nunca mais será feliz.

Obama no Brasil

Não há dúvida que a eleição de Barack Obama foi um bálsamo e uma esperança para a distensão da política externa estadunidense. Porém, o que pudemos comprovar até o momento, foram passos tímidos em relação a temas cruciais que vão da agenda ambiental aos direitos humanos que têm como principal libelo acusatório a manutenção dos presos em Guantánamo; o irracional bloqueio a Cuba; a guerra do Iraque baseada em provas inexistentes; o massacre de civis no Afeganistão e o absurdo silêncio quase sexagenário da invasão chinesa ao Tibete. Falando em Direitos Humanos, vale a pena lembrar que os EUA ainda executam prisioneiros no chamado ‘corredor da morte’ com injeções letais e na cadeira elétrica. Na Líbia, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, o interesse é similar ao do Iraque e a queda da dinastia Kadafhi é questão de tempo. No levante popular do Egito, por onde passa grande parte da economia árabe, inclusive o petróleo, através do Canal de Suez, os EUA só assumiram posição pró-rebelião popular ao saber do quadro irreversível da queda de Hosni Mubarak. Nossos irmãos do norte também continuam em débito com a humanidade ao negarem enfaticamente a assinatura do Protocolo de Kioto, que prevê a redução da emissão de gases do efeito estufa em, no mínimo, 5,2% no período entre 2008 e 2012, triste herança da Era Bush. Em relação à viagem pela América do Sul, sabemos que essa parte do continente nunca foi prioridade para a política externa dos EUA. Os novos cenários descortinados no Brasil, que têm a China como seu principal parceiro econômico, acenam com a licitação de caças para a FAB, energia nova através da exploração do pré-sal e investimentos em infraestrutura com a preparação da Copa de 2014 e Olimpíadas 2016. No complexo mosaico das relações econômicas bilaterais, o Brasil perde longe, com um déficit na balança comercial com os EUA da ordem de US$ 8 bilhões, o maior déficit comercial brasileiro. Por um outro lado, proporciona o maior superávit comercial aos Estados Unidos em relação a todos os países do mundo O que podemos esperar da visita de Obama? No campo das contendas comerciais Obama dificilmente reverterá no congresso estadunidense os subsídios agrícolas que de forma deletéria impedem a alavancagem do agribusiness nos países em desenvolvimento, principalmente os do etanol, que tanto interessa ao Brasil. Existem impeditivos reais como as barreiras tarifárias, não-tarifárias, quotas, proibições, restrições voluntárias de exportações, barreiras técnicas (relacionadas com regras de licenciamento, embalagens, volumes, ingredientes, rotulagem). Mecanismos de defesa comercial como o antidumping, direitos compensatórios e salvaguardas que são regras usuais do comércio internacional e podem afetar o acesso aos mercados. São cerca de 10 mil posições tarifárias e 144 países envolvidos na Organização Mundial de Comércio. Pendências históricas como a do algodão, medicamentos, alimentos e indústria aeronáutica, permeiam uma relação conflituosa entre os dois países. Nada que se consiga flexibilizar de um momento para o outro. Talvez a pretensão obsessiva do Itamaraty em ascender ao Conselho de Segurança da ONU seja um atrativo secundário da visita. Algo como os espelhinhos que os portugueses ofereciam aos indígenas ao aqui desembarcarem. Artifício que infla os brios nacionais e eleva nossa auto-estima em relação ao tabuleiro estratégico global. Nos Alagados, Vigário Geral ou Jardim Irene, ninguém entende para que serve o significado do assento na ONU, se não há saúde, emprego e educação de qualidade para o povo da periferia. Noves fora, e o desejo dos EUA em 'retirar' a Presidente Dilma do campo de ideologização de Lula na política externa, não se consegue visualizar um objetivo prático em visita tão pomposa e cercada de salamaleques. Aspas para a simpática visita à Cidade de Deus, onde 62% dos moradores são negros e para uma cinematográfica ida ao Cristo Redentor. Ademais, nada mais. Fica como exemplo, para a elite nacional que a origem e a cor da pele não são condicionantes para se ascender às mega estruturas de poder e que a democracia e a justiça social, podem estar em melhores mãos, quando se constroem oportunidades iguais para os grupos étnico-raciais que compõem a diversidade da espécie humana. Na verdade, a grande comemoração no Rio foi a transferência do discurso do ilustre visitante, que seria em praça pública, para um exclusivíssimo e disputado convescote no Teatro Municipal. Com a Cinelândia livre do fechamento sintomático por parte da neurótica segurança de Obama, os cariocas puderam tomar seus chopes sossegados no Bar Amarelinho, tradicional espaço de encontros etílico-político-poéticos, que reina impávido naquele pedaço do Rio de Janeiro.