Amauri Queiroz

segunda-feira, 25 de outubro de 2010


A Derrota das Elites



Leonardo Boff


Para mim o significado maior desta eleição é consolidar a ruptura que Lula e o PT instauraram na história da política brasileira. Derrotaram as elites econômico-financeiras e seu braço ideológico a grande imprensa comercial. Notoriamente, elas sempre mantiveram o povo à margem da cidadania, feito, na dura linguagem de nosso maior historiador mulato, Capistrano de Abreu,”capado e recapado, sangrado e ressangrado”. Elas estiveram montadas no poder por quase 500 anos. Organizaram o Estado de tal forma que seus privilégios ficassem sempre salvaguradados. Por isso, segundo dados do Banco Mundial, são aquelas que, proporcionalmente, mais acumulam no mundo e se contam, política esocialmente, entre as mais atrasadas e insensíveis. São vinte mil famílias que, mais ou menos, controlam 46% de toda a riqueza nacional,sendo que 1% delas possui 44% de todas as terras. Não admira que estejamos entre os paises mais desiguais do mundo, o que equivale dizer, um dos mais injustos e perversos do planeta. Até a vitória de um filho da pobreza, Lula, a casa grande e a senzala constituíam os gonzos que sustentavam o mundo social das elites. A casa grande não permitia que a senzala descobrisse que a riqueza das elites fôra construida com seu trabalho superexplorado, com seu sangue e suas vidas, feitas carvão no processo produtivo. Com alianças espertas, embaralhavam diferentemente as cartas para manter sempre o mesmo jogo e, gozadores, repetiam:”façamos nós a revolução antes que o povo a faça”. E a revolução consistia em mudar um pouco para ficar tudo como antes. Destarte, abortavam a emergência de um outro sujeito histórico de poder, capaz de ocupar a cena e inaugurar um tempo moderno e menos excludente. Entretanto, contra sua vontade, irromperam redes de movimentos sociais de resistência e de autonomia. Esse poder social se canalizou em poder político até conquistar o poder de Estado. Escândalo dos escândalos para as mentes súcubas e alinhadas aos poderes mundiais: um operário, sobrevivente da grande tribulação, representante da cultura popular, um não educado academicamente na escola dos faraós, chegar ao poder central e devolver ao povo o sentimento de dignidade, de força histórica e de ser sujeito de uma democracia republicana, onde “a coisa pública”, o social, a vida lascada do povo ganhasse centralidade. Na linha de Gandhi, Lula anunciou: “não vim para administrar, vim para cuidar; empresa eu administro, um povo vivo e sofrido eu cuido”. Linguagem inaudita e instauradora de um novo tempo na política brasileira. O “Fome Zero”,depois o “Bolsa Família”, o “Crédito Consignado”, o “Luz Para Todos”, o “Minha Casa, Minha Vida, a “Agricultura Familiar, o “Prouni”, as “escolas profissionais”, entre outras iniciativas sociais permitiram que a sociedade dos lascados conhecesse o que nunca as elitese conômico-financeiras lhes permitiram: um salto de qualidade. Milhões passaram da miséria sofrida à pobreza digna e laboriosa e da pobreza para a classe média. Toda sociedade se mobilizou para melhor. Mas essa derrota inflingida às elites excludentes e anti-povo, deve ser consolidada nesta eleição por uma vitória convincente para que se configure um “não retorno definitivo” e elas percam a vergonha de se sentirem povo brasileiro assim como é e não como gostariam que fosse.Terminou o longo amanhecer.Houve três olhares sobre o Brasil. Primeiro, foi visto a partir da praia: os índios assistindo a invasão de suas terras. Segundo, foi visto a partir das caravelas: os portugueses “descobrindo/encobrindo”o Brasil. O terceiro, o Brasil ousou ver-se a si mesmo e aí começou a invenção de uma república mestiça étnica e culturalmente que hoje somos. O Brasil enfrentou ainda quatro duras invasões: a colonização que dizimou os indígenas e introduziu a escravidão; a vinda dos povos novos, os emigrantes europeus que substituirem índios e escravos; a industrialização conservadora de substituição dos anos 30 do século passado mas que criou um vigoroso mercado interno e, por fim, a globalização econômico-financeira, inserindo-nos como sócios menores. Face a esta história tortuosa, o Brasil se mostrou resiliente, quer dizer, enfrentou estas visões e intromissões, conseguindo dar a volta por cima e aprender de suas desgraças. Agora está colhendo os frutos. Urge derrotar aquelas forças reacionárias que se escondem atrás do candidato da oposição. Não julgo a pessoa, coisa de Deus, mas o que representa como ator social. Ceslo Furtado, nosso melhor pensador em economia, morreu deixando uma advertência, título de seu livro "A Construção Interrompida" (1993): ”Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta no devir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromer o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação”(p.35). Estas não podem prevalecer. Temos condições de completar a construção do Brasil, derrotando-as com Lula e as forças que realizarão o sonho de Celso Furtado e o nosso.

Leonardo Boff é Teólogo e autor de Depois de 500 anos: que Brasil queremos?

O Aborto e as Eleições


Em Busca de um Direito Justo

O aborto envolve um dilema: uma escolha impossível e uma decisão necessária. Como transformar esta questão num "direito justo" para o povo brasileiro? Embora o reaparecer desta questão fundamental se dê sob forma travestida de interesses eleitoreiros, não desejamos deixar passar a oportunidade de elevá-la ao que ela tem de real e de urgente, e que, portanto, insiste como questão a ser pensada, elaborada na sua complexidade, e talvez só então decidida. Como bem o disse Elio Gaspari, em seu artigo de 9 de outubro no GLOBO, a prática do aborto não envolve apenas uma questão de saúde pública, mas fundamentalmente o conflito entre o direito à vida e o direito da mulher à liberdade de interromper sua gravidez em até doze semanas. Só aqui já estão nomeados dois titãs da experiência humana: o direito à vida e o direito à liberdade. Entretanto, o debate público trazido pela mídia em torno dos candidatos está tentando acorrentá-los com os grilhões maniqueístas e excludentes da apropriação moral, religiosa ou tecnocrata em termos de saúde. Ora, isso significa despir a questão do aborto de sua tragicidade, que sempre é vivida, independentemente de sua intensidade, no conflito íntimo de cada mulher ao se ver diante dessa situação-limite, dessa escolha impossível, mas que, paradoxalmente, lhe exige uma decisão rápida. Ou seja, não minimizemos a coisa, nem banalizemos algo que tem a mesma natureza do antagonismo entre Eros e Tanatos, nossas pulsões de Vida e Morte, o que levou Freud a comentar com certa ironia em "O mal-estar da civilização": "É este duelo de titãs que nossas babás tentam aplacar com suas cantigas de ninar." Ou seja, somos efetivamente incapazes de fazer face ao duelo que agita e dilacera nossa alma desde a mais tenra idade. A experiência humana é trágica, pois é vivida, segundo o criador da psicanálise, em termos deste antagonismo que cria um estado de conflito permanente, com pouca ou nenhuma chance de apaziguamento, e que se encontra exacerbado em certas situações, como achamos ser o caso em questão. O conflito existe, embora muitas vezes disfarçado sob uma capa pragmática, ou programática. E é cruel, principalmente se lembrarmos que, em sua base, trata-se de uma decisão que cada mulher é obrigada a tomar sozinha, aumentando o nível de desamparo e angústia a que se vê submetida ao ter que decidir o indecidível, além de lhe caber lidar, também solitariamente, com o peso e a dor dos fantasmas correlativos a este ato, que terão efeitos muitas vezes sobre os filhos que virão a seguir, tornando-os muitas vezes substitutos inconscientes daqueles que foram impedidos de nascer. A questão do aborto é uma questão política, se nos referirmos ao sentido maior deste termo: o de dar valor à polis, à vida em comum dos cidadãos, à vida do outro, sendo este outro, no caso, tanto aquele que é gerado em situações de imaturidade e precariedade afetiva ou financeira, quanto os que o geraram, levando em conta suas expectativas, suas condições, sua liberdade de decidir. Evidentemente, isto suscita uma articulação necessária com a responsabilidade que se aprende a ter através de uma educação humanizante onde a sexualidade humana poderá ser tratada como meio de vida e não de morte. Esta questão política levantada pela possibilidade de uma prática discriminalizada do aborto em nosso país solicita a elaboração de leis que tenham como ideal um "direito justo", capaz de levar em consideração a convivência sempre problemática entre os seres humanos, e que é exacerbada pelas não menos problemáticas relações entre o Direito e a Justiça. Pois o Direito não é a Justiça, sendo apenas um instrumento, uma tentativa, muitas vezes vã, de se fazer justiça. Em lugar de nos paralisar, este saber diferencial nos impele a participar da dimensão criativa da justiça em nosso país, no exercício de um direito em transformação, num país em transformação, implicando inclusive a retomada transformadora dos currículos de educação.
Texto da psicanalista Glaucia Dunley

Comer, Rezar, Amar


“De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama”

(Vinícius de Morais)

No filme Comer, Rezar, Amar a protagonista, uma escritora de razoável sucesso decide jogar sua vida, incluindo-se aí um casamento sólido e estável, para atirar-se pelo mundo em busca de ‘outro caminho’. Resolve ir para a Itália e apreciar durante um bom período a culinária e a cultura italiana. Depois parte para a Índia em busca de iluminação espiritual e fecha o périplo na Indonésia, especificamente Bali, onde se entrega a arte do ‘dolce far niente’ e aos prazeres do amor.
O ponto principal da estória é o que certamente deve atormentar boa parcela das mulheres envolvidas em seus relacionamentos amorosos: viver sem amar e ser amada o suficiente, não querer separar para não magoar o parceiro e a família, sair da zona de conforto do casamento e de um círculo social consolidado, mergulhar no mundo incerto e assustador das mulheres separadas e sozinhas. Há uma cena emocionante em que a protagonista do filme cai em prantos no chão do banheiro, lamentando pela tristeza que imporá ao homem que a ama, mas que não a faz feliz o necessário.
O filme, ou a estória de Liz Gilbert é um libelo ao desapego e à coragem de revolvermos nossas vidas. Liz demole as coisinhas miúdas que tecem as tramas do casamento como um trator de esteira. O marido incrédulo, como um pugilista grogue no centro do ringue, sem compreender que ela não o ama mais, continua acreditando que está tudo bem e que ela apenas teve um dia péssimo. Liz não podia dar explicações até porque não as possuía. Sentia-se como Ícaro voando com suas asas de cera rumo ao sol. Em seu caso, o sol era o casamento em chamas, que cotidianamente derretia seu amor (suas asas de cera), atirando-a de maneira inexorável ao duro solo da realidade.
Liz cai no mundo tentando se encontrar. Sua saga lembra a música do inesquecível Candeia e regravada por Marisa Monte que diz: ”Deixe-me ir preciso andar. Vou por aí a procurar. Rir prá não chorar... Se alguém por mim perguntar, Diga que eu só vou voltar, Quando eu me encontrar...”

Vai para a Itália, terra de grandes romances mas resolve mergulhar na gastronomia. Come o tanto que pode de todas as delícias possíveis. Parte para a Índia onde se isola em busca da divindade, se afastando dos pecados e das tentações e terrenas, buscando a luz que precisa para iluminar seu caminho. Dali parte para a paradisíaca ilha de Bali na Indonésia, onde busca um feiticeiro que lhe tinha prometido revelar seus mais recônditos segredos. Liz achava que com as diversas experiências espirituais e afetivas, recém construídas, teria um alicerce seguro para seguir em frente na vida, por si só, sem as mazelas da vida à dois. Mas qual o quê! Encontra um homem que a retira da casamata existencial, das trincheiras da auto-defesa, trazendo-a de volta para as sensações espirituais e carnais, coincidência ou não, um brasileiro.

O livro é tratado por alguns como um manual barato de auto-ajuda e idolatrado por outros por demonstrar a coragem que Liz teve para mudar radicalmente sua vida, tentando encontrar um centro honesto para seus sentimentos e desejos. Certamente não possui a profundidade de um Jorge Luis Borges nem a argúcia de um Garcia Marquez, mas nos leva a refletir sobre nossa breve passagem aqui no planeta e nos aproximar, nem que só por meros instantes, de realizar aqueles nossos desejos secretos e sempre adiados por nossa comodidade.

Mulher na Presidência?


Há duas formas principais de estarmos presentes no mundo: pelo trabalho e pelo cuidado.
Como somos seres sem nenhum órgão especializado, à diferença dos animais, temos que trabalhar para sobreviver. Vale dizer, precisamos tirar da natureza tudo o que precisamos. Nessa diligência usamos a razão prática, a criatividade e a tecnologia. Aqui precisamos ser objetivos e efetivos, caso contrário sucumbimos às necessidades.
Na história humana, pelo menos no Ocidente, instaurou-se a ditadura do trabalho. Este mais do que obra foi transformado num meio de produção, vendido na forma de salário, implicando concorrência e devastação atroz da natureza e perversa injustiça social. Representantes principais, mas não exclusivos, do modo de ser do trabalho são os homens. A segunda forma é o cuidado. Ele tem como centralidade a vida e as relações interpessoais e sociais.
Todos somos filhos e filhas do cuidado, porque se nossas mães não tivessem tido infinito cuidado quando nascemos, algumas horas depois teríamos morrido e não estaríamos aqui para escrever sobre estas coisas.
O cuidado tem a ver mais com sujeitos que interagem entre si do que com objetos a serem gestionados. O cuidado é um gesto amoroso para com a realidade.
O cuidado não se opõe ao trabalho. Dá-lhe uma característica própria que é ser feito de tal forma que respeita as coisas e permite que se refaçam.
Cuidar significa estar junto das coisas protegendo-as e não sobre elas, dominando-as. Elas nunca são meros meios. Representam valores e símbolos que nos evocam sentimentos de beleza, complexidade e força.
Obviamente ocorrem resistências e perplexidades. Mas elas são superadas pela paciência perseverante. A mulher no lugar da agressividade, tende a colocar a convivência amorosa. Em vez da dominação, a companhia afetuosa. A cooperação substitui a concorrência. Portadoras privilegiadas, mas não exclusivas, do cuidado são as mulheres.
Desde a mais remota antiguidade, assistimos a um drama de consequêncas funestas: a ruptura entre o trabalho e o cuidado. Desde o neolítico se impôs o trabalho como busca frenética de eficácia e de riqueza.
Esse modo de ser submete a mulher, mata o cuidado, liquida a ternura e tensiona as relações humanas. É o império do androcentrismo, do predomínio do homem sobre a natureza e a mulher.
Chegamos agora a um impasse fundamental: ou impomos limites à voracidade produtivista e resgatamos o cuidado ou a Terra não aguentará mais.
Sentimos a urgência de feminilizar as relações, quer dizer, reintruzir em todos os âmbitos o cuidado especialmente com referência às pessoas mais massacradas (dois terços da humanidade), à natureza devastada e ao mundo da política.
A porta de entrada ao universo do cuidado é a razão cordial e sensível que nos permite sentir as feridas da natureza e das pessoas, deixar-se envolver e se mobilizar para a humanização das relações entre todos, sem descurar da colaboração fundamental da razão intrumental-analítica que nos permite sermos eficazes. É aqui que vejo a importância de podermos ter providencialmente à frente do governo do Brasil uma mulher como Dilma Rousseff. Ela poderá unir as duas dimensões do trabalho que busca racionalidade e eficácia (a dimensão masculina) e do cuidado que acolhe o mais pobre e sofrido e projeta políticas de inclusão e de recuperação da dignidade (dimensão feminina).
Ela possui o caráter de uma grande e eficiente gestora (seu lado de trabalho/masculino) e ao mesmo tempo a capacidade de levar avante com enternecimento e compaixão o projeto de Lula de cuidar dos pobres e dos oprimidos(seu lado de cuidado/feminino). Ela pode realizar o ideal de Gandhi: “política é um gesto amoroso para com o povo”.
Neste momento dramático da história do Brasil e do mundo é importante que uma mulher exerça o poder como cuidado e serviço.
Ela, Dilma, imbuida desta consciência, poderá impor limites ao trabalho devastador e poderá fazer com que o desenvolvimento ansiado se faça com a natureza e não contra ela, com sentido de justiça social, de solidariedade a partir de baixo e de uma fraternidade aberta que inclui todos os povos e a inteira a comunidade de vida.

Leonardo Boff

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A CNBB E AS ELEIÇÕES




"Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, chamam-me de comunista."
(Dom Hélder Câmara Fundador da CNBB)

A CNBB que tenho visto envolvida na partidarização das eleições no Brasil não é a CNBB que conheço e que por certo período de tempo me abrigou generosamente como coordenador de um projeto de inclusão produtiva na Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro. Trabalhando nesta instituição, aprendemos como é grande o amor de Cristo por nós e quanto foi emblemática Sua santa decisão de entregar a própria vida para nos salvar.
Aprendi na CNBB que a única opção de todos os cristãos e os não cristãos de boa vontade é a opção pelos mais vulneráveis, pelos mais pobres, pelos mais necessitados. É ali que está o manto de Jesus Cristo, é ali que sentimos o chamamento de Sua palavra, é ali que conseguimos compreender a comunhão a consagração e a ressurreição.
A CNBB que conheço e aprendi a amar e respeitar é aquela que com a Cáritas, com as pastorais sociais, com as comunidades eclesiais de base, com os textos e encontros religiosos, sempre buscou levar conforto e soluções humanas para os mais desvalidos da sociedade, para aqueles que têm como cotidiano o infortúnio, a fome, a falta de abrigo e o desamor dos insensíveis.
A CNBB a qual orgulhosamente servi e que admiro e aplaudo é composta por uma legião incontável de amorosos e vigorosos servos de Cristo, que nunca repousam em suas infatigáveis missões religiosas e sociais, sempre voltadas para a elevação e para a promoção humana.
A CNBB da qual todos nós brasileiros nos orgulhamos é aquela que combateu duramente a ditadura militar brasileira, que como em apostolado contribuiu para a criação de diversos movimentos sociais, apoiando incondicionalmente a Economia Solidária, o Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis, o movimento dos pescadores artesanais, os Sem Teto, o Povo da Rua, as Mulheres Marginalizadas. A minha CNBB é a que leva uma palavra de alívio às pessoas encarceradas, protege e cuida de meninas e meninos de rua, entre tantas outras ações com uma nobreza sem par.
É com essa CNBB que vou dormir todas as noites e é com ela que desperto todos as manhãs, procurando de alguma maneira servir aos mais necessitados, empregando o conhecimento que adquiri para os que mais precisam. A população brasileira não deve se confundir com pessoas que tentam utilizar o nome de tão nobre instituição para fins pouco confessáveis.
Sou admirador da CNBB que D. Helder Câmara criou, cunhando o que hoje se classifica como inclusão social. Sou admirador de Frei Tito, D. Luciano Mendes de Almeida, Frei Betto, Leonardo Boff, Padre Josimo, Irmã Dorothy, Padre Ricardo Resende, Dom Thomaz Balduíno, Dom Mauro Morelli, Dom Pedro Casaldáliga e D. Paulo Evaristo Arns entre outras almas santas, que dedicam e dedicaram suas vidas à promoção dos pobres e dos excluídos, assim como fez Jesus Cristo.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010



Amor Eterno – O Novo Otelo do Século 21

Fernanda me escreve para pedir aconselhamentos sobre sua situação. Diz que está sofrendo bastante e que pensa em terminar seu casamento que já dura uma década. Motivo ela tem mais que de sobra, o ciúme doentio do marido.
Fernanda me pede conselhos que talvez eu não saiba nem tenha conhecimentos científicos para explicá-los. Mas alguma coisa sobre o ciúme podemos conversar informalmente.
O ciúme é tema de enorme bibliografia e de debates em todos os meios de comunicação. Mas é na academia, nos centros de ensino e pesquisa que conseguimos encontrar alguma teoria plausível sobre o assunto. Se é que teoria surte algum efeito nesses casos.
O início do casamento foi um paraíso. Fernanda nunca havia imaginado que existisse felicidade tamanha. Amor, sexo e dedicação eram componentes constante entre ambos, que mergulhavam de olhos fechados, um na alma do outro, como se nunca fossem retornar à superfície.
Sergio sempre foi um excelente companheiro. Atendia a todos os desejos de Fernanda, mesmo os mais pueris. Trabaljava em uma excelente empresa e gozava de ótima reputação profissional. Porém, não possuía ambição alguma, não entendia que o futuro se constrói a partir do hoje, com a experi~encia adquirida no passado.
O tempo foi passando e Sergio foi sendo tragado pelo redemoinho inexorável da vida. Defasado profissionalmente, desatualizado socialmente, transformou-se num espectro perto do que era quando Fernanda o conheceu. Seu sobrepeso e sua barriga proeminente delatavam a falta de preocupação com seu corpo e deletavam pouco à pouco o desejo insaciável de sua mulher pelo corpo tão bonito que outrora possuira. O sexo foi rareando cada vez mais. Sua aparência desleixada e sua falta de compromisso com a vida minavam a relação com Fernanda, que às custas de dietas e caminhadas conseguia manter seu corpo e sua forma física.
O golpe de misericórdia foi dado quando Sergio foi comunicado sobre a dispensa da empresa. Seu trabalho de anos que agora seria ocupado por um jovem talentosos e ambicioso, composição infalível para se sobreviver no capitalismo.
Como não podia ficar sem trabalho, saiu em busca de um emprego que infelizmente nunca aparecveu. Quarentão, barrigudo e desanimado, usou sua indenização para comprar uma barraca de cachorro quente, tornando-se empreendedor por consequência.
Fernanda conta que sempre esteve a seu lado. Nunca o abandonou, mesmo nas noites de grande angústia, quando ela ardia de desejo e ele passava a madrugada acordado, reclamando da vida, de tudo e de todos, patético, disfuncional.
Meses após o terremoto da demissão e do fracasso do empreendimento de cachorro-quente, se iniciou em Sergio um profunda transformação. Tornou-se arredio e quase não procurava Fernanda. Vivia defronte ao aparelho de TV, assistia do desenho animado aos cultos evangélicos eletrônicos nos avançados horários noturnos.
Passou a perseguir Fernanda. No início de maneira mais discreta e com o passar do tempo de maneira mais ostensiva. Até que um dia a agrediu. Fernanda conta que não sabia qual a dor é mais doída, se a física ou a espiritual. Tantos anos de total dedicação e amor por aquele homem e após todo esse tempo recebe uma bofetada no rosto, para logo após ser chamada de prostituta e vulgar. Seu mundo caiu.
Somente a grandiosidade da mulher pode perdoar um gesto tão aviltante como esse. Continuou ao lado do marido, que não era mais o homem que sempre amou, enquanto que ao mesmo tempo, ele jamais teria ao seu lado aquela mulher que tanto se dedicou e renunciou.
Passou a estudar o tema e aprendeu que o cíume é principalmente provocado pela sensação antecipada ou delirante da perda física e espiritual do outro. Ou então com a idéia da perda da posse soberana. Quando torna-se patológico, as dúvidas ultrapassam uma linha imaginária que nos separa da fantasia, da verdade e da certeza. O ciumento patológico é levado à verificação de suas dúvidas delirantes, arguindo a outra parte sobre os lugares onde esteve, violando correspondências, ouvindo conversas pela extensão ou até mesmo grampendo o telefone de casa, revolve bolsas e bolsos, cheira a roupa do íntima da parceira e vice-e-versa, contrata detetives, espreita, desconfia, vive em um mundo de loucuras, onde nunca há alivio para os seus sentimentos doentios.
Fernanda sentiu que nunca mais teria paz em sua vida. Sergio havia se tornado um ciumento patológico. Ao não trabalhar e agora depender do salário de Fernanda, buscava evidências todos os dias de uma possível traição. Fernanda chegou ao absurdo de mentir e confessar que teve uma conversa mais picante com um amigo de trabalho para que pudesse dormir em paz. Passou uma noite de inferno. Sergio nunca estava satisfeito com as explicações. Passou a aparecer de surpresa na saída do trabalho de Fernanda. Esgueirando-se por trás das árvores, como uma serpente, ansiando encontrar sua mulher com outro.
Fernando sofre de Ciúme Patológico e Fernanda continua ao seu lado, agora fazendo terapia para recuperar sua auto-estima, perdida no trauma da demissão do emprego onde imaginou que só sairia aposentado. O casal ainda está juntando os cacos dos corações que despedaçaram nos paredões do destino, mas estão ali, unidos e firmes, buscando um amanhecer de esperança.
Fernanda encerra sua mensagem como um libelo de tolerância e de amor verdadeiro. Agora sabe que o amará eternamente, pois, só um amor eterno consegue sobreviver a uma realidade tão dura.




terça-feira, 5 de outubro de 2010

Amor, estranho amor....


"O amor e a agonia cerraram fogo no espaço
Brigando horas a fio, o cio vence o cansaço
E o coração de quem ama fica faltando um pedaço
Que nem a lua minguando,
que nem o meu nos seus braços" (Djavan)
.......................................................................................................................................
Brenda escreve sua mensagem com certo temor. Posso sentir a tensão nas entrelinhas. Parece que tornando pública sua situação, possa se sentir mais confortável. Mas não é nada fácil, carregar a pesada culpa que traz consigo.
Ela inicia sua narrativa dizendo que sempre foi uma pessoa tranqüila, com muita paz de espírito e que jamais teve qualquer tipo de relacionamento conturbado com as pessoas, homens ou mulheres. Casou com o homem que amava e teve dois filhos maravilhosos de 3 e 6 anos, que iluminam sua vida. O casamento acabou e o tempo lhe estampou pequenas marcas em sua vida. Muito bonita e até mesmo cobiçada pelos homens, sentia-se insegura ao ver sua juventude escapando lentamente sem que nada pudesse ser feito.
A vida de Brenda entrou em um ciclo de rotina, onde tudo é nada e nada é tudo. Aborrecia-se com pequenas coisinhas e às vezes ignorava solenemente assuntos de extrema importância. Era o sinal de que algo precisava mudar em sua vida, só que nada mudava e a rotina com a casa e com os filhos era como uma sentença a ser cumprida.
Finalmente um fato novo surgiu em sua vida. A irmã mais nova, Cecília, que tinha 23 anos, viria para morar com ela. Ajudaria com a casa e as crianças, enquanto estudava e trabalhava. Brenda estava felicíssima, pois, teria mais tempo para si e poderia, quem sabe, encontrar um novo amor.
A chegada da irmã trouxe muita felicidade para todos. Brenda ousava até ir ao cinema com amigas do bairro e vez em quando tomar umas cervejinhas com os amigos na padaria da esquina. Sua irmã, muito séria e responsável, cuidava da casa e das crianças nessas horas. Tudo corria às mil maravilhas.
Certo dia a irmã trouxe uma verdadeira novidade. Tinha arrumado um namorado. Um amigo de trabalho, boa pessoa, sem vícios, querendo compromisso sério. Trouxe o rapaz para que todos o conhecessem.
No início Brenda não gostou muito dele, além do quê, passaria a freqüentar a casa, retirando a privacidade que ela tanto prezava. Particularmente aborrecia-lhe a idéia de ter que passar a andar vestida pela casa durante as quentes e desconfortáveis noites de verão.
A irmã de Brenda era linda e jovial. Loira, olhos verdes, corpo torneado naturalmente, Cecília era a irmã mais nova e a mais bonita. Seu namorado Fred era alto e moreno. Corpo trabalhado nas academias de musculação fazia suspirar as meninas do bairro.
Era um sujeito boa praça, possuía um bom emprego, carro novo, e estava sempre de bom humor. Gostava de Cecília, respeitando-a e lhe sendo fiel. Não era um amor ardente. Talvez esse ele nunca tivesse sentido. Estava seguro com Cecília. Sabia que ela poderia ser uma ótima esposa e dedicada mãe dos seus filhos.
A vida é uma autêntica caixinha de surpresas. Brenda confessa que jamais imaginou envolver-se com Fred, apesar na proximidade do cotidiano, e sequer o olhava mais detidamente, quando tirava a camisa dentro de casa para executar algum serviço rotineiro do lar.
Tornaram-se amigos e às vezes ficavam até altas horas da noite conversando sobre diversos temas, sempre agradáveis, eram momentos deliciosos. Cecília geralmente se recolhia cedo, pois acordava de madrugada para trabalhar. Brenda e Fred construíram uma rotina noturna tão intensa que já não conseguiam mais viver sem ela. Apaixonaram-se.
Brenda conta que pensava haver enlouquecido. Mal se alimentava, não cuidava mais da casa e nem dava conta da criação dos filhos. Um fogo intenso a consumia por dentro. Diuturnamente seu corpo vivia em brasas. Sua mente migrou para uma dimensão onde só os amantes ensandecidos conseguem sobreviver. Não podia ser real.
Conta que lutaram por meses, contra essa heresia. Passou a visitar a mãe com mais freqüência e dormir por lá nos finais de semana. Fugia de Fred e sentia que quanto mais fugia mais se ligava a ele, mais precisava dele, na mais pura e deliciosa insensatez dos amantes.
Não se lembrava há quanto tempo tinha tido a última noite de amor. Havia se separado há quatro anos, e de lá para cá, ficou duas vezes com o ex-marido, após visitas noturnas às crianças e de umas taças de vinho além da conta. Brenda havia esquecido como era queimar de desejo.
Fred não olhava mais Cecília nos olhos. Vivia irrequieto e demonstrava uma inconstância incomum. Cecília fingia nada perceber, mas, sabia que as noites em que adormecia e deixava os dois a sós, estavam germinando uma flor que ela não poderia colher. Apaixonada por Fred sabia que nada podia fazer, a força revolucionária da paixão varria a vida dos três, sem dó nem piedade. Foi apenas questão de tempo. Brenda conta que se entregou de corpo e alma ao cunhado, numa noite chuvosa de domingo. Estavam sós, as crianças tinham ido com Cecília para a casa da avó. Um imenso temporal assolou a cidade. Estavam os dois tentando varrer a água que teimava em entrar pelo vão inferior das portas, quando a luz apagou e os dois, molhados e ofegantes, se tocaram. O estrondo de um raio fez cumprir a anunciada profecia e fez Brenda se proteger e aninhar-se nos braços de Fred.
Eletrizante, foi uma situação eletrizante, ela me relata. Foi como se o céu houvesse desabado e todas as direções mudado de rumo. Foi tão intenso que o tempo passou e não se percebeu que o dia havia amanhecido. Exaustos e saciados como dois animais, permaneciam unidos como se tivessem passado a vida inteira juntos. Uma onda de ternura e amor cobriu os dois amantes com o nascer da aurora. Um final épico, como nas grandes óperas como a Aída de Verdi, quando ao fim do quarto ato, o guerreiro Radamés é condenado por traição e levado para o interior de sua cripta, onde se despede da vida e da lembrança de sua amada para sempre. Então aparece Aida, que conseguiu entrar furtivamente no túmulo para morrer ao seu lado. A escrava egípcia e ex-princesa etíope encontra a morte nos braços do seu amado, encerrando a epopéia.
Para Brenda o mundo poderia terminar ali, naquele exato momento. Pois morreria feliz como Aída, nos braços do seu amado.
Termina sua mensagem dizendo que depois disso vinte anos se passaram. A paixão durou exatamente um ano. Brenda chegou a engravidar de Fred mas perdeu a criança sem que ninguém soubesse. Hoje é funcionária pública, os filhos cresceram e se foram. Ela vive sozinha com suas lembranças. Sua irmã Cecília que oficialmente nunca soube de nada, está casada e feliz com a família. Fred desapareceu depois deste incrível ano de paixões e luxúrias que viveram. Nunca mais soube notícias dele, que ainda hoje aquece seus pensamentos nas noites chuvosas de verão, entre doses solitárias de vinho.
Brenda carrega a culpa de ter tirado o grande amor da vida de sua irmã e ao mesmo tempo tê-lo conquistado e obrigado a renunciá-lo por conta das convenções da sociedade e da família.