Fernand Braudel disse há cinco décadas que certos acontecimentos históricos eram como os vagalumes. Brilham mas não iluminam o caminho. Obviamente sem o brilhantismo acadêmico do grande pensador e farol de inúmeras gerações, faço uma comparação com o momento político brasileiro atual. O Brasil saiu recentemente de seu modelo agrário para a industrialização. A mudança transformou o perfil de nossa sociedade de maneira significativa. Os meios de comunicação de massa, rádio, TV, Internet, telefonia móvel, o planeta ruma célere para um desenvolvimento tecnológico nunca visto. As assimetrias sociais e raciais que afligem a sociedade contemporânea oscilam de maneira sazonal entre os povos. Massacre nos Bálcãs contra fim do Apartheid na África do Sul. Permanência do domínio colonial inglês nas Ilhas Malvinas contra a ascensão de um presidente negro nos EUA e um índio na Bolívia. As assimetrias se sucedem e os acontecimentos se tronam banais. Meros vagalumes de Braudel. No Brasil acontece uma coisa verdadeiramente excitante que é a possibilidade da continuidade do Governo Lula. O país passará por momentos eletrizantes nos próximos meses. De um lado uma candidatura com perfil conservador e de outro uma mulher guerreira e ex-guerrilheira, forjada nas lutas contra a repressão da ditadura militar nos anos de chumbo. A batalha será duríssima. Não se enganem os inocentes de plantão com o já ganhou, geralmente alardeado pelos hiper-otimistas que vivem no mundo de Polyana. Historicamente as mulheres sempre foram discriminadas em nossa sociedade. O processo político brasileiro nunca permitiu que uma mulher se elegesse presidente da república. O voto e a candidatura feminina eram possíveis, mas não considerados na Constituição de 1891. O artigo 171 da referida carta-magna rezava que cidadãos poderiam votar e ser votados. Segundo a interpretação machista da época, mulheres não eram “cidadãos”, além de considerarem a candidatura feminina uma enorme desonra para as mulheres. Podemos dizer até que houve uma regressão jurídica, pois, houve em um primeiro momento em que a Constituição de 1889, em sua primeira versão, admitia o voto feminino. Mas o artigo foi nas edições posteriores. Fatos históricos como esses, seriam relegados à mera condição de “vagalumes de Braudel” se não fosse a luta de mulheres excepcionais como Nísia Floresta, Berta Lutz, Celina Guimarães Viana, Maria Moura e Carlota de Queiroz. Nísia Floresta, considerada a fundadora do feminismo no Brasil, sempre desde sempre, foi árdua defensora do voto feminino e pelo trabalho para mulheres sem autorização do marido. Betha Lutz criou em 1919 a Liga da Emancipação feminina, que no movimentado ano de 1922 (criação do PCB, Coluna Prestes, Movimento Tenentista, Semana de Arte Moderna) se transformou na Federação Brasileira para o Progresso Feminino Minas Gerais e Rio Grande do Norte, foram os primeiros estados do país a legalizarem o voto feminino. Celina Guimarães Viana foi a primeira eleitora registrada no Brasil, no ano de 1927, baseada em um artigo da lei eleitoral potiguar. Mas foi a feminista e advogada mineira Mietta Santiago que iniciou a verdadeira revolução pelo voto feminino, em 1928, ao perceber que a proibição ao voto das mulheres ia de encontro à Constituição Federal de 1981, exatamente em seu artigo 70. Mietta se candidatou à Cãmara Federal e votou em si mesma, quebrando um tabú político que muitos imaginavam impossível. Em 1934, a médica paulista Carlota de Queiroz é eleita a primeira deputada Federal do Brasil para a Constituinte do mesmo ano. Carlota de Queiroz foi fundadora da Academia Brasileira de Mulheres Médicas. Seu mandato foi em defesa das mulheres e das crianças. Carlota manteve uma ativa atividade parlamentar até 1937, quando seu mandato foi interrompido com o golpe de estado prepetrado por Getúlio Vargas. Carlota proferia dircursos emocionantes no Congresso Nacional. Em 1934 emocionou a todos com este pronunciamento: "Além de representante feminina, única nesta Assembléia, sou, como todos os que aqui se encontram, uma brasileira, integrada nos destinos do seu país e identificada para sempre com os seus problemas. (…) Acolhe-nos, sempre, um ambiente amigo. Esta é a impressão que me deixa o convívio desta Casa. Nem um só momento me senti na presença de adversários. Porque nós, mulheres, precisamos ter sempre em mente que foi por decisão dos homens que nos foi concedido o direito de voto. E, se assim nos tratam eles hoje, é porque a mulher brasileira já demonstrou o quanto vale e o que é capaz de fazer pela sua gente. Num momento como este, em que se trata de refazer o arcabouço das nossas leis, era justo, portanto, que ela também fosse chamada a colaborar. (…) Quem observar a evolução da mulher na vida, não deixará por certo de compreender esta conquista, resultante da grande evolução industrial que se operou no mundo e que já repercutiu no nosso país. Não há muitos anos, o lar era a unidade produtora da sociedade. Tudo se fabricava ali: o açúcar, o azeite, a farinha, o pão, o tecido. E, como única operária, a mulher nele imperava, empregando todas as suas atividades. Mas, as condições de vida mudaram. As máquinas, a eletricidade, substituindo o trabalho do homem, deram novo aspecto à vida. As condições financeiras da família exigiram da mulher nova adaptação. Através do funcionalismo e da indústria, ela passou a colaborar na esfera econômica. E, o resultado dessa mudança, foi a necessidade que ela sentiu de uma educação mais completa. As moças passaram a estudar nas mesmas escolas que os rapazes, para obter as mesmas oportunidades na vida. E assim foi que ingressaram nas carreiras liberais. Essa nova situação despertou-lhes o interesse pelas questões políticas e administrativas, pelas questões sociais. O lugar que ocupo neste momento nada mais significa, portanto, do que o fruto dessa evolução.
" Maria Moura - Uma Anarquista Maravilhosa!!!!
Os cinco volumes da obra “Os Companheiros” de Edgar Rodrigues listam o nome de 52 mulheres que tiveram especial relevância no movimento social, no período que vai do final do século XIX à metade do século XX. Mineira de Barbacena, Maria Moura merece destaque, não só pela sua combatividade, mas pela sua intensa atividade literária, como também pelo sucessor, não só no Brasil, como nas Américas e Europa. Maria Moura organizou um grupo de mulheres da região para a construção de casas populares para a população carente da cidade. Participou da fundação da Liga Contra o Analfabetismo. Mudou-se para São Paulo onde passou a trabalhar na imprensa operária e anarquista brasileira e internacional. Publicou artigos em jornais progressistas como O Combate, de São Paulo e O Ceará de Fortaleza, de onde se extraiu o texto Feminismo? Caridade? Bem como em diferentes jornais operários e anarquistas de todo o Brasil. Em Fevereiro de 1923, lançou a revista Renascença, publicação cultural divulgada no movimento anarquista e entre setores progressistas e livre-pensadores. A importância desta militante pode ser avaliada, entre outros, pelo fato de que, em 1928, jovens estudantes e trabalhadores paulistas terem invadido o jornal pró-fascista italiano Il Piccolo, como resposta a um artigo que caluniava violentamente a pensadora libertária. Na mesma época, Rachel de Queiroz polemizou acaloradamente, nas páginas do jornal O Ceará, com um jornalista cearense que atacou Maria Lacerda. Ativa conferencista, tratava de temas como educação, direitos da mulher, amor livre, combate ao fascismo e antimilitarismo, tornando-se conhecida não só no Brasil, mas também no Uruguai e Argentina, onde esteve convidada por grupos anarquistas e sindicatos locais. Entre 1928 e 1937, a ativista libertária viveu numa comunidade em Guararema (SP), no período mais intenso da sua atividade intelectual, tendo descrito esse período como uma época em que esteve "livre de escolas, livre de igrejas, livre de dogmas, livre de academias, livre de muletas, livre de prejuízos governamentais, religiosos e sociais". Maria Lacerda de Moura pode ser considerada uma das pioneiras do feminismo no Brasil e uma das poucas ativistas que se envolveu diretamente com o movimento operário e sindical. Entre os seus numerosos livros destacam-se: Em torno da educação (1918); A mulher moderna e o seu papel na sociedade atual (1923); Amai e não vos multipliqueis (1932); Han Ryner e o amor plural (1928) e Fascismo: filho dileto da Igreja e do Capital. O texto de Maria de Moura que transcrevemos de seguida foi publicado no jornal independente O Ceará (1928), de Fortaleza, a pedido da então jovem escritora Rachel de Queiroz, que se consagraria como uma das grandes romancistas brasileiras contemporâneas. Esse texto expressa o pensamento de Maria Moura sobre o feminismo e sua visão anarco-individualista. Uma filosofia libertária bastante influenciada por Han Ryner, um pensador libertário original que se destacou em França como ativista anti-militarista, anti-clerical e defensor do amor livre. Outra influência notória no texto é a de Emile Armand. É certo que ele não representa todo o pensamento da anarquista brasileira. Como todo militante, com larga atividade literária, passou por diferentes fases e sua reflexão abordou temas tão diversos como a guerra, o malthusianismo e a pedagogia libertária. Polêmica na literatura e na militância, Maria Moura passou pela Maçonaria e pela Fraternidade Rosa Cruz, com quem rompeu denunciando-a como agente do nazismo. Atravessou algumas fases de maior envolvimento social e outras de isolamento, umas de otimismo e outras de declarado pessimismo. E, se no fim da vida, permanecia num certo pessimismo, isso se deve certamente às divergências e rupturas que, no fim da década de 20, confrontavam anarquistas e comunistas ao mesmo tempo em que acontecia a ameaçadora ascensão do fascismo. No entanto, quando após a fundação do Partido Comunista dirigentes desse partido, fizeram várias tentativas para aliciá-la, a pensadora libertária recusou-se a abandonar sua visão de mundo, mantendo até ao fim da vida o seu anarquismo individualista. Maria Moura é praticamente desconhecida no Brasil, mas sua vida e obra lhe caracterizam como aquela que seria uma das primeiras e mais importantes ativistas das causas das mulheres no mundo, mas que nunca reconheceu no Estado, no Direito e no acesso profissional burguês a sua causa. Na verdade, isso acontece porque, antes de tudo, via generosamente a luta feminista como parte integrante do combate social compartilhado igualmente por homens e mulheres engajados na luta pela eliminação de toda exploração, injustiça e preconceito. Maria Moura e todas essas maravilhosas mulheres deixaram um verdadeiro legado de luta contra a opressão masculina e a homofobia. São iluminadoras, suas vidas servem como archotes na escura noite da subcidadania. Não são vagalumes de Braudel, seus brilhos não são efêmeros. São e serão, sempre imponentes, faróis que nos guiam nas tempestades e tormentas da vida.
Nísia Floresta
É considerada uma pioneira do feminismo no Brasil e foi provavelmente a primeira mulher a romper os limites entre os espaços público e privado publicando textos em jornais, na época em que a imprensa nacional ainda engatinhava. Nísia também dirigiu um colégio para moças no Rio de Janeiro e escreveu livros em defesa dos direitos das mulheres, dos índios e dos escravos.
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