Amauri Queiroz

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Comer, Rezar, Amar


“De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama”

(Vinícius de Morais)

No filme Comer, Rezar, Amar a protagonista, uma escritora de razoável sucesso decide jogar sua vida, incluindo-se aí um casamento sólido e estável, para atirar-se pelo mundo em busca de ‘outro caminho’. Resolve ir para a Itália e apreciar durante um bom período a culinária e a cultura italiana. Depois parte para a Índia em busca de iluminação espiritual e fecha o périplo na Indonésia, especificamente Bali, onde se entrega a arte do ‘dolce far niente’ e aos prazeres do amor.
O ponto principal da estória é o que certamente deve atormentar boa parcela das mulheres envolvidas em seus relacionamentos amorosos: viver sem amar e ser amada o suficiente, não querer separar para não magoar o parceiro e a família, sair da zona de conforto do casamento e de um círculo social consolidado, mergulhar no mundo incerto e assustador das mulheres separadas e sozinhas. Há uma cena emocionante em que a protagonista do filme cai em prantos no chão do banheiro, lamentando pela tristeza que imporá ao homem que a ama, mas que não a faz feliz o necessário.
O filme, ou a estória de Liz Gilbert é um libelo ao desapego e à coragem de revolvermos nossas vidas. Liz demole as coisinhas miúdas que tecem as tramas do casamento como um trator de esteira. O marido incrédulo, como um pugilista grogue no centro do ringue, sem compreender que ela não o ama mais, continua acreditando que está tudo bem e que ela apenas teve um dia péssimo. Liz não podia dar explicações até porque não as possuía. Sentia-se como Ícaro voando com suas asas de cera rumo ao sol. Em seu caso, o sol era o casamento em chamas, que cotidianamente derretia seu amor (suas asas de cera), atirando-a de maneira inexorável ao duro solo da realidade.
Liz cai no mundo tentando se encontrar. Sua saga lembra a música do inesquecível Candeia e regravada por Marisa Monte que diz: ”Deixe-me ir preciso andar. Vou por aí a procurar. Rir prá não chorar... Se alguém por mim perguntar, Diga que eu só vou voltar, Quando eu me encontrar...”

Vai para a Itália, terra de grandes romances mas resolve mergulhar na gastronomia. Come o tanto que pode de todas as delícias possíveis. Parte para a Índia onde se isola em busca da divindade, se afastando dos pecados e das tentações e terrenas, buscando a luz que precisa para iluminar seu caminho. Dali parte para a paradisíaca ilha de Bali na Indonésia, onde busca um feiticeiro que lhe tinha prometido revelar seus mais recônditos segredos. Liz achava que com as diversas experiências espirituais e afetivas, recém construídas, teria um alicerce seguro para seguir em frente na vida, por si só, sem as mazelas da vida à dois. Mas qual o quê! Encontra um homem que a retira da casamata existencial, das trincheiras da auto-defesa, trazendo-a de volta para as sensações espirituais e carnais, coincidência ou não, um brasileiro.

O livro é tratado por alguns como um manual barato de auto-ajuda e idolatrado por outros por demonstrar a coragem que Liz teve para mudar radicalmente sua vida, tentando encontrar um centro honesto para seus sentimentos e desejos. Certamente não possui a profundidade de um Jorge Luis Borges nem a argúcia de um Garcia Marquez, mas nos leva a refletir sobre nossa breve passagem aqui no planeta e nos aproximar, nem que só por meros instantes, de realizar aqueles nossos desejos secretos e sempre adiados por nossa comodidade.

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