O Livreiro de Cabul e as Invisíveis Burcas Brasilianas
No excelente livro “O Livreiro de Cabul” da norueguesa Asne Seierstad, vive-se a dura realidade da vida cotidiana do Afeganistão, país devastado por sucessivas e intermináveis guerras. As contradições afegãs e um complexo e tolhido universo feminino, nos faz refletir sobre a distância cultural entre nossas sociedades enquanto que, ao mesmo tempo, nos remete para situações muito próximas em famílias brasileiras.
Em certa passagem do livro, o jovem Karim, Jornalista e órfão de pai e mãe se apaixona por Leila, filha caçula de Bibi Gul, matriarca e mãe de 13 filhos. Bibi Gul, por ser viúva, vive com seu irmão, Sultan Khan o patriarca da família que é casado com duas esposas. As ordens despóticas de Sultan são indiscutíveis e Leila, que funciona como empregada doméstica de todo o clã, sonha em se casar e ter sua própria família.
O Afeganistão tem uma cultura muito particular, o conservadorismo afegão vai além do uso da ‘burca’ pelas mulheres. Passa pela submissão existencial onde se inclui as tarefas domésticas diárias e extenuantes, transita pela exclusão institucional em relação ao mercado de trabalho, por não poder possuir amigos do sexo masculino e ao menos estudar ou conversar com eles. As afegãs acostumaram-se a ver o mundo através das rendas das ‘burcas’, onde o calor e o desconforto extinguem toda a beleza e frescor do existencial do feminino. Portanto, um bom casamento que a liberte da pesada escravidão familiar é tudo que uma mulher afegã pode sonhar. Karim e Leila amam-se desesperadamente sem nunca terem ao menos conversado um com o outro. Sonham sonhos secretos de viverem juntos por toda a vida. Mas para isso as famílias precisam autorizar o enlace, é assim na sociedade afegã. Numa rara oportunidade que têm de se aproximar um do outro, Karim e Leila travam um diálogo surreal numa repartição pública de Cabul:
- Qual é sua resposta?
- Você sabe que eu não posso te responder -, ela diz.
- Mas o que você quer?
- Você sabe que eu não posso querer nada.
- Mas você gosta de mim?
- Você sabe que eu não posso ter opinião sobre isto.
- Você vai aceitar se eu pedir a sua mão?
- Você sabe que não sou eu quem decide.
- Você quer me encontrar de novo?
- Não posso.
- Por que não pode ser um pouco mais gentil? Você não gosta de mim?
- A minha família é quem decide se eu gosto de você ou não.
No excelente livro “O Livreiro de Cabul” da norueguesa Asne Seierstad, vive-se a dura realidade da vida cotidiana do Afeganistão, país devastado por sucessivas e intermináveis guerras. As contradições afegãs e um complexo e tolhido universo feminino, nos faz refletir sobre a distância cultural entre nossas sociedades enquanto que, ao mesmo tempo, nos remete para situações muito próximas em famílias brasileiras.
Em certa passagem do livro, o jovem Karim, Jornalista e órfão de pai e mãe se apaixona por Leila, filha caçula de Bibi Gul, matriarca e mãe de 13 filhos. Bibi Gul, por ser viúva, vive com seu irmão, Sultan Khan o patriarca da família que é casado com duas esposas. As ordens despóticas de Sultan são indiscutíveis e Leila, que funciona como empregada doméstica de todo o clã, sonha em se casar e ter sua própria família.
O Afeganistão tem uma cultura muito particular, o conservadorismo afegão vai além do uso da ‘burca’ pelas mulheres. Passa pela submissão existencial onde se inclui as tarefas domésticas diárias e extenuantes, transita pela exclusão institucional em relação ao mercado de trabalho, por não poder possuir amigos do sexo masculino e ao menos estudar ou conversar com eles. As afegãs acostumaram-se a ver o mundo através das rendas das ‘burcas’, onde o calor e o desconforto extinguem toda a beleza e frescor do existencial do feminino. Portanto, um bom casamento que a liberte da pesada escravidão familiar é tudo que uma mulher afegã pode sonhar. Karim e Leila amam-se desesperadamente sem nunca terem ao menos conversado um com o outro. Sonham sonhos secretos de viverem juntos por toda a vida. Mas para isso as famílias precisam autorizar o enlace, é assim na sociedade afegã. Numa rara oportunidade que têm de se aproximar um do outro, Karim e Leila travam um diálogo surreal numa repartição pública de Cabul:
- Qual é sua resposta?
- Você sabe que eu não posso te responder -, ela diz.
- Mas o que você quer?
- Você sabe que eu não posso querer nada.
- Mas você gosta de mim?
- Você sabe que eu não posso ter opinião sobre isto.
- Você vai aceitar se eu pedir a sua mão?
- Você sabe que não sou eu quem decide.
- Você quer me encontrar de novo?
- Não posso.
- Por que não pode ser um pouco mais gentil? Você não gosta de mim?
- A minha família é quem decide se eu gosto de você ou não.
Karim e Leila jamais se viram novamente. Decepcionado com o ocorrido, o jovem decide seguir a carreira religiosa e se tornar um Mulá. Leila continuou em sua vida de doméstica da família e o livro não avança mais do que isso sobre os dois.
Piores que as ‘burcas’ afegãs são as ‘burcas brasileiras’, onde, mulheres são tolhidas de enxergar o mundo com seus próprios olhos para serem obrigadas a olhar com o olhar da família ou do marido. É fato corriqueiro hoje em dia, que a mulher primeiro avalie no que pensará a sociedade, para depois tomar alguma decisão.
Nas coisas do amor é ela quem mais sofre. Muitas vezes, como as afegãs, casam para deixar uma família exploradora e sem amor. Melhor sofrer em sua própria casa que na de outrem. Passará a vida (geralmente) por trás de uma ‘burca invisível’, sem atitude própria, sem opinião, fingindo orgasmos e erotismo, sem direito ao trabalho e assentir calada ao cheiro de álcool e do perfume barato que ele trás impregnado das outras mulheres.
Como no Afeganistão, as mulheres brasileiras que envergam uma burca invisível, usufruem de raros momentos de alegria. Na maioria dos casos quando visitam a família e a mãe, matriarca sempre tão generosa e acolhedora.
Gustav Klimt, pintor simbolista austríaco nascido no século XIX emoldurou de maneira magnífica em sua tela “O Beijo”, a posição da mulher que aceita o beijo do homem que a subjuga sem porém se entregar. No quadro, que encerra a ‘art noveau’ vienense para dar lugar ao expressionismo, se sente a atmosfera do prazer atingido, sem expressar porém qualquer tipo de sublimação do amor por parte da mulher.
O universo da mulher é infinitamente mais rico e complexo que o masculino. Então, quando o homem enfrenta algo desconhecido e grandioso, como a alma feminina, geralmente rejeita, recua ou agride. Sendo assim, torna-se mais fácil e seguro para os homens, pô-las a vestir a burca invisível do autoritarismo, do que procurar entendê-las, humildemente, no poder e plenitude do maravilhoso universo que elas possuem.
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